Boas vindas à todos!

Esta é a iniciativa de três professores de Psicologia (e cinéfilos), que passavam horas no whatsapp comentando inúmeros filmes, indicando novas (ou velhas) obras cinematográficas. Buscamos com este blog compartilhar com todos os interessados nossas indicações e opiniões, claro que bastante recheadas de visões psicológicas!


Caso se interesse pelo filme que indicamos, recomendamos que você assista o filme e retorne ao nosso texto, se possível comentando, concordando ou não com nossas opiniões, e claro dando as suas próprias!


Você é bem-vindo a participar com a gente!

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Desenvolvimento Psicossexual e formação de caráter: Homer Simpsons

O texto a seguir é a publicação do trabalho melhor pontuado realizado por um grupo de alunos que cursam o terceiro ano de Psicologia no Centro Universitário UNIFAFIBE. A proposta apresentada a eles era fazer uma análise que relacionava o desenvolvimento psicossexual, tal como proposto por Freud e complementado por Abraham, com determinados traços de caráter, em um determinado personagem fictício. Acompanhem a ótima análise feita de Homer Simpsons, em seu mundo recheado de Duffs e Donuts!



DESENVOLVIMENTO PSICOSSEXUAL E FORMAÇÃO DE CARÁTER

Autores: Ana Carolina Vicente, Andrea Schenten, Bruna Oliveira, Hypia Sanches, Janaína Matos Nascimento, Jéssica Bruna Baptista, Jonas Nobre


  1. INTRODUÇÃO 
O presente trabalho tem por objetivo discutir a teoria do desenvolvimento psicossexual proposta por Freud, e analisar as possíveis influências de eventuais fixações de energia libidinal em alguma das fases descritas – fase oral, fase anal e fase fálica – na formação da personalidade de um indivíduo, a partir de exemplo fictício.O material analisado será “Os Simpsons”, uma série televisiva animada criada por Matt Groening, nos Estados Unidos. Em específico, serão analisadas as características do personagem Homer Simpson e que fixações ele apresenta, de acordo com a teoria apresentada por Freud.

  1. OBJETIVOS

  • Compreender a divisão das fases e suas possíveis fixações;
  • Analisar a consequência dos eventos dessas fases que implicam no restante da vida do indivíduo;
  • Associar uma das fases com um exemplo fictício.

  1. A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO LIBIDINAL E A FORMAÇÃO DE CARÁTER

A teoria do desenvolvimento libidinal de Freud prescreve que determinadas características de personalidade dos indivíduos dependem dos seus objetos de amor e/ou sexuais. Impõe-se assim, a necessidade de se entender o processo de desenvolvimento psicossexual para compreender a formação do caráter.
Freud traz o conceito de libido como sendo uma energia psicossexual presente em todo ser humano desde o nascimento, e o direcionamento dessa libido é o que explicaria os fenômenos psicossexuais. A pulsão é o impulso que busca por satisfações por meio de estimulação das zonas erógenas, que são partes do corpo que causam excitação sexual, e a pulsão é responsável por direcionar essa libido para algo ou alguém. 
      Para Freud, o desenvolvimento da sexualidade passa pelas seguintes fases: oral, anal e fálica, visando o amadurecimento sexual. Caso haja alguma fixação nessas fases, o indivíduo desenvolverá traços de personalidade próprios de cada fase.
Na fase oral, o bebê busca prazer através da estimulação da cavidade bucal em conjunto com a língua e com as regiões circunvizinhas. O principal objeto de satisfação de prazer nessa fase é o seio materno, pois essa estimulação acontece por meio da amamentação.
Durante a fase anal, o prazer infantil é experimentado na evacuação. É nessa fase que a criança aprende a controlar os esfíncteres e essa atividade de manipulação fecal é prazerosa, pois ela sente que tem domínio sobre o próprio corpo. Além disso, quando a criança está desenvolvendo a habilidade de controle das necessidades fisiológicas, ela recebe uma atenção especial dos pais e/ou cuidadores.
Na fase fálica, as crianças passam a ter consciência das diferenças sexuais. O principal objeto de busca de prazer são os genitais (pênis e clitóris) e é nessa fase que se iniciam as primeiras atividades masturbatórias.

3.1 O CARÁTER ORAL

A fase oral é marcada por duas atividades principais: succionar e morder. Na primeira, o sujeito tem o desejo de incorporar o objeto que lhe causa o prazer oral, no caso o seio. Mais tarde, com o aparecimento dos dentes, o prazer de succionar o seio é substituído pelo prazer da mordida. Dessa forma, o sujeito tende a triturar o objeto de prazer através da mordida para depois incorporá-lo.
Pode-se dividir em dois tipos à fase oral:

a)    Fase oral receptiva: ligada a atividade de sucção. A relação do bebê com o seio nessa fase é de passividade, sendo então caracterizada por um desejo violento e imediato, pois sem a mãe a criança se sente impotente. Em contrapartida, quando há a obtenção do seu objeto de prazer oral há também o sentimento de onipotência por ter atingido a satisfação do seu desejo. Se nessa fase a criança não tiver nenhum tipo de privação, o indivíduo terá caráter otimista e generoso, pois é como se o seio da mãe estivesse sempre farto de leite e terá uma obtenção de prazer muito grande. Em contrapartida, se houver frustrações, o indivíduo terá no seu caráter traços de pessimismo, ressentimento e de isolamento, pois há a sensação de que seus desejos não foram satisfeitos.

b)    Fase oral-sádica: ligada a atividade de morder. Nessa fase, o bebê usa a mordida como forma de incorporação do seio da mãe, querendo-o para si. O caráter do indivíduo fixado nessa fase é de busca por cuidado, mas ele acredita que só conseguirá isso caso prejudique alguém. Além de estar sempre insatisfeito com as coisas que possui, o indivíduo tende à atitudes destrutivas e de ódio, pois ele tem a sensação de que precisa se vingar das frustrações que o seio materno lhe proporcionou durante a infância.

  1. RESUMO DA SÉRIE DE ANIMAÇÃO

The Simpsons (Os Simpsons) é uma série de desenho animado, criada pelo americano Matt Groening. Segundo o site Wikipédia, a série surgiu inicialmente como um curta em 1987, mas após três temporadas de sucesso passou a ser um programa de televisão. Desde sua estreia na TV em 1989, Os Simpsons é uma das séries dos Estados Unidos com mais duração e já está em exibição a 27ª temporada, sendo que em 2007, foi transformada em filme e arrecadou milhões de dólares.
A série, voltada para o público jovem e adulto, mostra uma visão irônica e satírica da sociedade americana contemporânea por meio dos acontecimentos do dia-a-dia de uma família. O autor Matt nomeou os personagens de acordo com os nomes de sua própria família, substituindo apenas o seu nome por Bart.
A família da série é composta por cinco personagens: Homer e Marge, o pai que trabalha em uma Usina Nuclear e sua esposa dona de casa. O casal tem três filhos: o mais velho é Bart, um garoto rebelde de dez anos; Lisa, uma menina de oito anos que toca saxofone e Maggie, que ainda é uma bebê. Além deles, ao longo dos episódios também aparecem outros personagens, como, por exemplo, professores, amigos, parentes, vizinhos e celebridades. A família Simpsons possui dois animais de estimação: um cachorro chamado Ajudante de Papai Noel e um gato que atende pelo nome Bola de Neve.

5.    DISCUSSÃO


Conforme o material analisado, o personagem Homer Simpsons apresenta fixações na fase oral. Na série ele é representado como um pai de família alcoólatra, guloso, individualista, ciumento e, devido a sua insatisfação com as coisas que possui, está sempre reclamando.
Na totalidade dos episódios da série, ao observarmos Homer fisicamente, é notório que ele está acima do peso e que é um indivíduo sedentário. Isso mostra sua tendência para a gula e sua compulsão por bebidas, pois em vários episódios, Homer aparece bebendo cerveja ou comendo os famosos donuts, que são pequenas rosquinhas, populares nos EUA.
No 1º episódio da 21ª temporada, denominado “Homer, a baleia”, o personagem é colocado no elenco de um filme de Super-herói, e para atuar, precisa seguir à risca uma maratona de exercícios e uma dieta que um treinador fitness prescreve para ele. Em uma conversa o treinador pergunta “Homer, você sabe porque você come?”, e ele indaga como resposta “Seria porque estou engolindo minhas frustrações e decepções?”, essa fala de Homer evidencia que ele recorre à comida como forma de obtenção de prazer por não possuir recursos psíquicos para lidar com as dificuldades que ele encontra no seu cotidiano. Após dias de treino, Homer consegue emagrecer, mas no final do episódio ele já está gordo novamente, pois não resiste à sua inclinação para a comida e continua recorrendo à este meio como forma de satisfação pessoal.



Outro ponto a ser analisado no personagem é o alcoolismo. No episódio 16, “Vai uma loura geladinha?” da 4ª temporada, Homer dirige bêbado e acaba sendo detido e tendo sua carteira de habilitação caçada. Como forma de punição, ele é obrigado à frequentar as reuniões dos Alcoólicos Anônimos. Durante a primeira reunião quando ele se apresenta, o responsável pelo grupo diz “Homer, aqui com a nossa ajuda você jamais voltará a beber”, diante disso, a reação do personagem é de pavor e ele grita “NÃÃÃÃÃO!” e pula pela janela. Essa cena mostra claramente a dependência de Homer com o álcool. Grosso modo, pode-se julgar, a importância que o personagem dá a recorrência de objetos à boca como forma de prazer e fica evidente sua fixação na fase oral.



O pessimismo de Homer é mostrado fortemente em “A Odisséia de Homer” 3º episódio da 1ª temporada, onde ele perde seu emprego na Usina Nuclear por ficar o tempo todo comendo dunots ao invés de trabalhar. Quando Lisa mostra ao pai os anúncios de jornal com vagas de emprego, ele declara “Eu nunca fiz coisa alguma de valor na droga da minha vida! Eu sou um nada, sem serventia” e no decorrer do episódio, há cenas de Homer no bar bebendo. Há também uma cena em que ele está sentado no sofá de casa e na TV passa o comercial da cerveja Duff, Homer desliga a TV e diz “Cerveja! Ta aí uma solução provisória” e corre até a geladeira à procura de uma cerveja para beber. Dessa forma, nota-se que por não conseguir lidar com a frustração de estar desempregado, o personagem se deprime e recorre à bebida como forma de escape para o problema que está enfrentando. Após isso, Homer escreve uma carta de despedida para sua família com a seguinte frase “Espero apenas lhe dar um melhor exemplo morto do que dei em vida...”. Como mostrado nessa última cena apresentada, o personagem às vezes chega a ser individualista, pois Homer pensa em pôr um fim na própria vida como forma de alívio do próprio sofrimento, sem levar em consideração a sua situação familiar com esposa e filhos que ainda são pequenos e precisam do pai como base afetiva. Podemos afirmar que Homer é um indivíduo que se entrega aos prazeres do corpo por possuir imaturidade emocional. Para ele, lidar com suas decepções é algo muito difícil e por possuir fixações orais, ele recorre ao pessimismo, a bebida e ao apetite exagerado como sendo uma maneira mais fácil de “esquecer”, pelo menos por um momento, a situação que está vivenciando.



  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O grupo apresentou dificuldade de entendimento nas leituras dos textos que foram usados como base. Apesar disso, a associação das características do personagem apresentado em discussão com a fase oral foi feita de forma rápida e sem grandes embaraços.

  1. REFERÊNCIAS

D’ANDREA, F. F. Desenvolvimento da Personalidade. In: ______. Caráter oral. Rio de Janeiro: 16ª ed, 2003. p. 43-44
MERLEAU-PONTY, M. Contribuições dos sucessores de Freud. In: ______. Merleau-ponty na Sorbonne: Resumos de cursos – Psicossociologia e filosofia. Campinas, SP: Papirus, 1990. p. 98-105.
REIS, A. A.; MAGALHÃES, L. M. A.; GONÇALVES, W. L. Personalidade e caráter. In: ______. Teorias da Personalidade em Freud, Reich e Jung. São Paulo: EPU, 1984. (Temas básicos em Psicologia, 7). p. 24-41
ZIMERMAN, D. E. As fases do desenvolvimento. In: ______. Fundamentos psicanalíticos. Porto Alegre: Artmed, 1999. p. 92-95.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

O Doador de Memórias e o Despertar para a Vida




O filme "O Doador de Memórias" ou "The Giver" é uma adaptação literária. É ficção científica mas também é um drama, como classificam por aí....O filme é de 2014.

Sinopse Adorocinema: A história passa-se em uma pequena comunidade, a qual vive em um mundo aparentemente ideal, sem doenças nem guerras, mas também sem sentimentos. Uma pessoa é encarregada a armazenar as memórias de forma a poupar os demais habitantes do sofrimento e também guiá-los com sua sabedoria. De tempos em tempos esta tarefa muda de mãos e agora cabe ao jovem Jonas, que precisa passar por um duro treinamento para provar que é digno da responsabilidade. 

Trailer: Doador de Memórias



Estava rodando os canais e o filme começou a passar. Como já haviam me dito que era um filme bacana, resolvi conferir...e é mesmo!!! É muito bacana!!

Atenção!! Há alguns Spoilers!!
O garoto Jonas é o escolhido para passar pelo treinamento com o ancião que é quem retém as memórias de toda a humanidade. Quando se inicia o treinamento, há algumas instruções que Jonas deve seguir: entre elas, não tomar as injeções anestésicas da manhã antes de ir para o treino.
Seu treinamento é conhecer memórias, despertar emoções e conhecer o passado da humanidade. Ele vai até a casa do ancião e lá fazem o treinamento juntos, unidos. O ancião mostra a ele o mundo, as memórias de toda a nossa humanidade. Essa parte do filme é maravilhosa. Na realidade, o que quero dizer que esse processo é maravilhoso. Se o ser humano se propõe a isso, ele pode estar se propondo a viver, a despertar para a vida.

Nas entrelinhas e de forma escancarada o mundo de hoje prega a felicidade e a anestesia da dor, seja ela física ou psíquica. Quem não gostaria de um analgésico da dor da alma? Da dor psíquica? Da dor de amar? Da dor da indiferença? Da dor do abandono? Essa dor é das entranhas.....e é doída, é profunda. Mas não há remédio pra ela aqui no nosso mundo. Há mecanismos para evitá-la, para negá-la, para fugir dela.
Mas na comunidade do filme essa dor foi anestesiada há muito tempo e vivem sem dor, mas junto a ela as outras emoções também foram: a alegria não existe, a admiração não existe...o amor não existe. O grande sentimento transformador, a emoção-motor.

Em uma cena em que o personagem Jonas está com suas emoções despertando, ele diz ao pai: Pai, você me ama?
Sua mãe, confusa e brava, olha pra ele e diz: Jonas!! O que é isso? Precisão de Linguagem!!
O pai responde: Filho, tenho orgulho de suas conquistas e gosto de você!

E eu ali assistindo: Geeenteeeee, como viver sem emoções???? 
Pois é!! Mas em algumas situações e circunstâncias de sofrimento e dor é assim que se vive mesmo! Sem emoções, se protegendo de tudo, se anestesiado de tudo. É pra conseguir sobrevier que fazemos isso. Sim, eu, você, nós todos fazemos. 

Uma outra coisa que é uma sacada bacana é que o filme começa preto e branco, representando a mesmice, o preto no branco, a não abertura. E ao longo do processo de despertar das emoções de Jonas, o filme ganha cor....até ficar vibrante!! Juntamente com as imagens e as emoções que o personagem vai experimentando. É envolvente.

O processo de despertar para a vida do personagem Jonas me lembra também ao processo de análise. Não só porque ele e o Doador sentam frente a frente em poltronas em uma sala-setting Não, não só por isso. Mas também porque quando o analisando junto com seu analista (uma dupla, um par que possuem uma relação de aliança que vai além do que muitas vezes a teoria explica) entra em contato com aspectos próprios que estavam lá para ser conhecidos, e então pode revitalizar esses aspectos, conteúdos guardados, esquecidos, confusos ou desconhecidos é como um despertar. É sofrido, é dolorido, mas também é um processo de desenvolvimento e de despertar de vida e para a vida.

Penso que o filme é muito mais do que uma história para adolescentes!!
É preciso olhar além do que se vê!!
Bom, fica a dica aí pessoal.
Bjos e bons filmes para todos nós!!


domingo, 12 de julho de 2015

Meus Psicopatas Favoritos! - Introdução

Foto 1. 
Antes de começar, já adianto que, conforme for falando, linkarei aqui os artigos a partir dos quais fiz esses apontamentos (creio que não temos necessidade de seguir as normas ABNT ou APA em um blog...). Outra coisa, preciso fazer uma introdução teórica antes de falar do cinema, então tenham paciência.

Existe uma diferença interessante entre psicopatologias como as histerias, as neuroses obsessivas (como o TOC), e os transtornos de personalidade. Estes não são propriamente doenças, mas "anomalias no desenvolvimento psíquico" (vide este artigo). Ou seja, são modificações generalizadas, que abrangem inúmeros aspectos da personalidade dos sujeitos. Tanto o CID quando o DSM apresentam algumas classificações acerca de vários tipos de transtornos de personalidade, mas esse não é nosso assunto principal. Hoje gostaria de falar de uma série de comportamentos específicos, considerados anti-sociais. Ou seja, pessoas que atuam de forma prejudicial ao outro, sem que haja arrependimentos, culpas, ou qualquer sentimento de empatia. São os chamados psicopatas.

Foto 2.
Na verdade, se tivermos que ser bem científicos, temos que aprender que tais comportamentos envolvem diferentes transtornos de personalidade. Muitas pessoas costumam confundir a psicopatia com a sociopatia e o transtorno de personalidade antisocial (como pode ser lido aqui). No DSM, o primeiro se falava em dois tipos: a psicopatia e o transtorno de personalidade sociopática, que foi posteriormente substituído por Transtorno de personalidade Antissocial (TPAS). A psicopatia e o TPAS são diferentes, mas uma parte dos casos de TPAS pode ser considerada casos que envolve psicopatia. A diferença está é que o Psicopata possui quatro dimensões (conforme este artigo):

 - Interpessoal: "superficialidade e manipulação das relações, auto-estima grandiosa e mentira patológica". Percebe-se que, além de ele não conseguir estabelecer relações profundas, ele é profundamente narcisista, crê na sua infalibilidade e no seu poder onipotente;
 - afetiva: "falta de remorso, afeto superficial, falta de empatia e não-aceitação de responsabilidade pelos próprios atos". Ou seja, não há muita empatia pelo outro, ele simplesmente não consegue sentir o que o outro sente como consequência de seus atos;
 - estilo de vida: "busca de sensação, impulsividade, irresponsabilidade, parasitismo em relação aos outros e falta de objetivos realistas". Esse aspecto é importante, há pouco ou nenhum controle dos impulsos, característica importante para a manutenção da vida social;
 - anti-social: "pouco controle do comportamento, problemas de comportamento precoces, delinquência na juventude, versatilidade criminosa e revogação de liberdade condicional". Aqui são aspectos sociais, ou seja, os psicopatas tem pouca capacidade de se integrar na vida social, e acumulam um histórico de atos considerados criminosos.


Foto 3.
O conceito de psicopatia está ligado à perversão, que se refere, segundo à Psicanálise, a uma forma muito específica de estrutura de personalidade. Para falar disso, vou falar um pouco da leitura lacaniana da obra de Freud.

Para Lacan, a personalidade é uma estrutura, ou seja, um conjunto estável de elementos que se articulam e dão uma características particular à forma de agir, pensar, sentir e desejar de uma pessoa.  A explicação que vou dar aqui é bem rápida e incompleta, pois não é esse o objetivo do texto. Se pretendem saber mais sobre isso, peço que procurem textos sobre a teoria sexual em Freud. Essa estrutura se forma a partir da resolução do complexo de Édipo, e depende da forma como a criança lida com a angústia de castração. Durante a fase edípica, a criança começa a perceber uma diferença muito clara entre ela e outras crianças e mesmo entre adultos, que é a diferença sexual. O menino repara que há pessoas, as mulheres, que não tem um pênis, e as meninas se dão conta de que não o tem ou de que ele é muito pequeno (o clitóris). Há uma fantasia coletiva de que todo mundo tem um pênis, e Freud percebeu isso analisando inúmeros sonhos e fantasias infantis. Ao se dar conta dessa diferença, a criança interpreta a falta de pênis como castração, ou seja, quem não o tem perdeu porque alguém lhe cortou fora esse órgão. Ao se deparar com a possibilidade de perder o pênis, a criança passa por uma forma específica de angústia, chamada de angústia de castração. 

Foto 4: Só de olhar a foto minha angústia de castração voltou...
A castração parece ser para ela uma punição muito severa contra algo que ela fez. Como ela está na fase edípica, geralmente ela associa a castração como uma ação possível de ser feita (no caso do menino) ou já concretizada (no caso da menina) pelo pai do mesmo sexo, com quem ela disputa o amor do pai do sexo oposto. Na resolução normal do Édipo, o menino, com medo da castração, abandona o amor pela mãe e entra na fase de latência, para depois substituir a figura materna por outra. No caso da menina, ela substitui o desejo de ter um pênis pelo de ter um filho do pai, para depois abandonar esses desejos, entrar na latência, e depois substituir o pai por outro homem.

A imagem que geralmente desperta na criança a angústia de castração é a de uma mulher sem pênis. Geralmente a mãe, pois essa, o seu primeiro foco de amor, é considerada como portadora de objetos muito preciosos, incluindo o falo. Pode-se dizer que a criança pode enfrentar o medo da castração com base em três mecanismos diferentes de defesa psicológica. Cada um deles dá base a uma estrutura de personalidade diferente:

 - Recalque: Quanto maior é a capacidade de sublimação, ou seja, de desviar a energia sexual dessas fantasias para atividades não-sexuais (sociais, artísticas, sonhos, atos falhos,etc.), mais saudável sera a pessoa. Acho que seria difícil falar em uma pessoa que fosse completamente normal, que tivesse sublimado todos os desejos sem consequências.Geralmente parte dos desejos terminam recalcados. No recalque, as fantasias infantis a respeito da mulher fálica, o desejo pela mãe, e todos os sentimentos ligados a isso são recalcados, isto é, guardados no inconsciente. Posteriormente, eles retornam para a consciência através de sintomas. O indivíduo tem o que se chama de estrutura neurótica de personalidade. Fantasiam inconscientemente sobre essa sexualidade infantil, demonstram angústias e ansiedades em relação a alguns aspectos de sua vida. Não estamos falando aqui de uma doença. A pessoa pode sentir angústia sem ter um problema psicológico grave. Mas se ela vier a ter alguma doença psicológica, geralmente ela terá alguma neurose (TOC, histeria, fobias, transtorno de ansiedade, etc.);

 - Forclusão: Quando a criança não consegue romper com o universo infantil e a ligação simbiótica com a mãe, ela quebra então o vínculo com a realidade. Nesse caso, para Lacan, ela nega o "Nome do Pai", termo que se refere à lei paterna que instaura a separação entre mãe e bebê e abre a possibilidade da criança entrar no simbólico. Ou seja, ela não consegue aguentar a angústia de castração, então ela rompe com a realidade para não encaram o fato da "mãe castrada". A estrutura de personalidade ligada a essa defesa é chamada de psicótica, e pode levar a formação de sintomas psicóticos, como alucinações e delírios.

 - Denegação: É aqui que se fala mais propriamente da estrutura de personalidade perversa. Frente a evidência da ausência do falo feminino, a angústia de castração é tão forte que a criança desvia o olhar, e fixa-se no primeiro objeto que possa usar para "denegar" essa falta. Essa é a explicação de Freud para o fetichismo, uma das formas de sexualidade mais utilizadas para compreender o que é perversão. Seja uma lingerie, seja o pé, um salto-alto, cabelos, objetos fálicos, etc, algo ocupa o lugar desse pênis ausente. Por isso Lacan fala que o perverso coloca um véu sobre a falta - ele sabe e não sabe que lá não têm um pênis, oscila entre essas duas posições, e oscila também em relação a Lei paterna castradora. Ele a ignora, "finge que não vê"...

Foto 5:

Entretanto, com a mudança de nossa sociedade, várias formas de sexualidade foram deixando de ser consideradas patológicas. A homossexualidade, por exemplo, deixou de ser considerada patologia, e o fetichismo, de graus mais brandos, deixou de ser considerado doença, e passou a fazer parte da sexualidade normal. Exceto algumas formas, como a pedofilia, já que ela envolve relações sexuais com crianças e adolescentes, considerados ainda incapazes para decidir livremente por ter relações com alguém, e a relação, seja forçada ou seja por persuasão, acaba levando a traumas graves.

Mas a perversão ganhou um quadro mais geral. Vamos nos basear na sua característica oscilante en relação a lei paterna. Ela mostra duas atitudes conjuntas, uma aparentemente normal, que consegue viver dentro da sociedade e respeitando seus limites, e outra perversa, que não satisfaz livremente seus desejos. Freud disse uma vez que a perversão é o inverso da neurose. Aquilo que o neurótico apenas fantasia em seu inconsciente, o perverso faz na realidade. Não há controle de impulsos.

O que se tem aí é uma nova concepção de perversão, que está associada a psicopatia. Falta de empatia, impulsividade, comportamento antisociais, superficialidade das relações. O psicopata é uma pessoa que parece, em parte, totalmente integrada à sociedade, mas que, quando algo diz respeito a seus desejos sexuais e agressivos, ele age sem pensar nos efeitos que isso pode causar no outro. 

Foto 6: Parece, mas não é...
O cinema se interessa bastante pela psicopatia. Entretanto, muitos personagens considerados psicopatas não poderiam ser completamente enquadrados nessa estrutura de personalidade. Pode acompanhar, por exemplo, essa lista aqui. e você percebe que o cinema vê o psicopata de outro modo. Geralmente um louco, que aparenta ser comum. Ms sim um criminoso, serial-killer, que arrasta uma série de mortes muito bem arquitetadas.

O que precisamos pensar é que um psicopata pode morar bem ao seu lado. Pode ser seu parente. E até pode ser você mesmo. Mas você pode me dizer: "Eu? Como assim? nunca matei, torturei, nem fiz risoto com o rim de ninguém!" (esse último é referência ao Hannibal, meu psicopata predileto hehehehe).

Foto 7: Está com fome?
Segundo Déborah Pimentel (nesse artigo aqui), pode-se falar de uma "Psicopatia da vida cotidiana". De acordo com ela, em determinadas épocas e lugares, algumas patologias e estruturas de personalidade prevalecem. Na época de Freud, as neuroses, principalmente a histeria, eram muito comuns. A depressão já foi e ainda é uma das mais terríveis patologias de nossa época. Entretanto, para ela, uma outra patologia se tornou comum... justamente a psicopatia.

Atualmente, as crianças são impedidas de desejar. O que se quer dizer com isso? Que elas não tem o que querem? Que as crianças são proibidas, controladas, que seus pais nada fazem por elas, a ponto de que elas não tem condições de desejar algo diferente? Na verdade, apesar de que em muitos lugares as crianças vivam em condições tão miseráveis ou com tamanha violência que pouco sobra para elas em termos de desejo, o que ocorre hoje, na maioria das famílias com as quais temos contato, é o oposto: as crianças não desejam, pois os pais não lhes dão tempo para isso. Para haver desejo, é preciso um espaço, no qual a criança sinta que algo lhe falte, e assim busque alguma coisa ou atividade que possa suprir essa falta. Mas o que os pais fazem? Não deixam a criança sentir falta. Assim que pede, que chora, que aponte o dedo para o que quer, ela o tem. 

Foto 8.
Vive-se em uma sociedade com jovens que cada vez mais tem menos capacidade de lidar com as frustrações da vida, pois não houve tempo de aprender a lidar com elas quando crianças. Uma criança que aprende que ão tem tudo o que quer quando e como quer, com o tempo percebe que na vida tem que se negociar, que aceitar condições, e muitas vezes adiar ou deixar de lado alguns desejos. Isso se torna cada vez mais difícil. 

A autora fala que estamos cada vez mais narcisistas, menos empáticos. Não há remorsos, só se busca a satisfação individual. Há uma dessensibilização da desgraça, do crime, da violência, da morte - tudo passa a ser cotidiano. E a virtualização das relações, através da internet e principalmente das redes sociais, criaram novas formas de violência e de distanciamento do outro. E há plena consciência dessa violência, assistida ou mesmo perpetrada, o que caracteriza ainda mais o ato como perverso. Há, portanto, uma epidemia de psicopatia, ou seja, nossa sociedade está cada vez mais perversa, desde sua estrutura político-econômica até as relações sociais mais íntimas. Por isso, cuidado: o perverso pode ser você!

Foto 9.
Bom agora que todos estamos olhando-se no espelho, nas janelas, no Facebook, buscando ver se é ou quem é um "psicopata cotidiano", podemos voltar a que nos interessa (primeiro a gente joga a bomba e depois muda de assunto hehehehe). Esse post é introdutório, para que eu possa falar, nas próximas postagens, sobre meus perversos favoritos. Ou seja, vamos levantar filmes e personagens que marcaram o cinema e principalmente minha vida de cinéfilo, e que possuem essa características peculiar da Psicopatia.

Para encerrar, que tal as fotos espalhadas pelos posts. Elas representam alguns dos psicopatas mais famosos do cinema. Você consegue identificar o filme/série de cada foto? Poste um comentário com sua resposta! E não se esqueça de dizer o número da foto!

Abraço a todos!

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Malena, ou o aprendizado do amor


Malèna é um filme italiano dirigido por Giuseppe Tornatore, que narra o encontro avassalador de Renato, um garoto de 13 anos, com Malèna, esposa de um combatente italiano na Segunda Guerra mundial. O filme toma como linha de narração o encontro e a paixão que Renato nutre por ela, e como essa relação (imaginária) o modifica em uma das épocas mais conturbadas da vida de uma pessoa, a adolescência.

O filme pode ser discutido por algumas vertentes, todas muito interessantes: a dinâmica social extremamente autoritária da cidade, que manteve Malèna entre a segregação social e o centro atrator das atenções; a questão da guerra, e de como ela atravessa o cotidiano das pessoas. Entretanto, preferi tomar aqui um outro caminho, que é compreender a passagem de Renato para a vida adulta, o que foi efetuado através de sua paixão por ela.

É interessante ressaltar aqui como a sociedade italiana da época demarcava claramente a diferença entre um menino e um homem: as calças curtas. Enquanto usa bermudas, Renato é tratado como um garoto, e não tem nenhuma voz social, nem no seu grupo de amigos. Ele anseia por conseguir calças compridas, e chega a roubar um par de seu pai, que guardava para seu enterro, para que o alfaiate pudesse ajustar para ele. 

Entretanto, apesar das bermudas marcarem socialmente esse estado infantil, pode-se perceber que Renato, psicologicamente, mantém formas afetivas infantis, o que é muito comum nessa idade. O que hoje chamamos de pré-adolescente nada mais é do que uma criança que começa a sentir a emergência de um amadurecimento biológico (no filme, quando Renato vê Malèna pela primeira vez percebe uma ereção, ou que ressalta a consciência que ele adquire de seu despertar pubertário). Entretanto, ele ainda carrega as formas de amor pautadas na primeira infância.

Segundo Freud, nas primeiras fases do desenvolvimento infantil de um menino, principalmente no momento do Complexo de Édipo, pode-se perceber nele um sentimento de amor onipotente pela mãe. A criança coloca-se na possibilidade, imaginária, de ter uma relação de igual para igual com sua mãe, antecipando-se assim as formas adultas de relação afetiva.

Entretanto, na criança, esse amor é onipotente, recheado de fantasias, centrado em uma idealização da relação e do prazer que se pode obter com ela. A relação de Renato com Malèna é pautada nessa forma de amor infantil. Ele se imagina com ela, tendo como base de suas fantasias inúmeras cenas de filmes em preto-e-branco. 

Uma cena bem interessante sobre suas fantasias onipotentes possui ainda um toque cômico. Enquanto se masturba na cama, vendo-se em diversas cenas de filmes clássicos como par romântico de Malèna, se vê uma cena de filme de faroeste, no qual ele é o pistoleiro que beija Malèna, a donzela em perigo, pouco depois de resgatá-la e durante um tiroteio, ouve ela lhe dizer: "Renato, você tem a maior pistola do oeste!". Está claro aí a referência fálica, narcísica, acerca da potência sexual e do poder que possui para conquistar Malèna.

Por outro lado, na realidade, ele a persegue, espreita pelos cantos a observá-la, rouba-lhe uma calcinha, mas nunca fala diretamente com ela. Essa é a dualidade do amor infantil, pleno na fantasia, e frustrado na realidade. A criança, durante a fase do complexo de Édipo, termina por se dar conta, inconscientemente, da impossibilidade de realizar seu amor por sua mãe, pela dificuldade de enfrentar o pai, já que este é mais forte, sem falar que também o ama. A criança termina por subjulgar esse amor, recalcado no inconsciente, e que se torna um protótipo de novas formas de relação.

A Adolescência, mais do que uma maturidade biológica, é o período no qual vários dilemas infantis retornam. Ao ver-se capaz de ter uma relação sexual, o adolescente sente inconscientemente que seria capaz de concretizar suas fantasias infantis, e estas ganham força e buscam a consciência. Malèna é quem trás Renato novamente para os dilemas do amor, e é através dessa relação que ele aprende a forma adulta de amor.

Diferente do amor infantil, intenso, absoluto, imaginário, o amor adulto tende a levar em consideração as limitações da realidade, é mais pautado na doação, na ternura. Quando o marido de Malèna, que havia sido dado como morto mas que estava preso durante a guerra, retorna à cidade, ele não encontra sua esposa, que havia sido expulsa pelos cidadãos, devido as relações, mais presumidas que reais, dela com homens casados. Renato, ao ver que ninguém fala a ele sobre o triste destino de Malèna, abre mão pela primeira vez de seu ciúme e da relação possessiva que tinha com ela (que sempre se dava de fora culta, quando ele realizava pequenas punições aos que falavam mal dela), e lhe envia uma carta, dizendo onde ela estava.

O que se percebe é um crescimento afetivo de Renato. Ele aceita o fato de que não há possibilidade de relação real com Malèna, e desenvolve por ela uma nova forma de amar, mais pautada na doação de si do que na possessão do outro. Isso a ponto de se preocupar mais com o bem-estar de Malèna, que acaba encontrando seu marido e voltando a viver com ele.

Espero que o texto tenha esclarecido um pouco sobre o que quis dizer sobre "o aprendizado do amor". A maioria das músicas românticas, como os sertanejos universitários, por exemplo, exaltam formas de amor que são idealizadas, na qual um vive para o outro, de forma pura, plena, como se "fossem um só". 

Sinceramente, eu acho que, se há um só, não há amor, não há relação, há uma fusão. O que o filme mostra é que essa alternativa idealizada e onipotente de amor, na verdade, tem raízes pronfundas nas primeiras conexões afetivas de cada um. Para se aprender a amar, é preciso, primeiro, aceitar a frustração que é perceber que o outro é e sempre será um outro, com seus gostos, com suas qualidades e com seus defeitos. Toda relação está marcada pela impossibilidade dessa fusão, desse "nós somos um só", e é isso que garante que haja uma relação, uma troca, uma verdadeira doação. Quando doamos, nunca doamos tudo: damos nosso amor, mas também amamos outras pessoas e coisas. E o outro também. Assim, o que pude perceber com Renato é que o Amor se faz belo e tão importante na vida das pessoas porque ele é recheado de uma parcela de dor, de sofrimento, que é o que nos mantém "dois", nos mantém unidos e separados, ao mesmo tempo.











segunda-feira, 4 de maio de 2015

120 anos de Cinema

Em 2015 faz 120 anos que os irmãos Lumière inventaram o cinema, na França, em 1895. Mas não é do século XIX que o homem cria visualmente histórias,  de modo a contá-las e, assim, reinventar o mundo em que vive. Há sete mil anos atrás, os chineses já contavam histórias utilizando-se de sombras projetadas por marionetes.
Mas foi no século XIX que diversos pesquisadores criaram as bases teóricas para o que seria hoje o cinema, e ela está no estudo da percepção. O fenômeno que interessava estes pesquisadores era a persistência retiniana. Tentava-se entender como que a retina, que grava como que "fotografias" do mundo exterior, conseguia perceber o movimento. A ideia é a seguinte. Quando você percebe algo, a imagens fica na retina por algumas frações de segundo. Para que haja percepção de movimento, é necessário que o olho consiga captar a sequência de imagens de cada momento da percepção por um determinado tempo, assim ele perceberia não uma sequência de imagens, mas teria uma sensação de movimento. Foi Plateau quem descobriu que uma projeção de 16 imagens por segundo ou mais dão ao olho a impressão de movimento. Ele mostra o fenômeno através do Fenacistoscópio:



Posteriormente, a Gestalt demonstra que esse trabalho de associação de uma figura na outra não é produzido no olho, mas pelo cérebro.

Reunaud cria na mesma época o Praxinoscópio, equipamento com espelhos que, ao girar, unia as imagens de forma harmoniosa e produzia a ilusão de movimento.


Thomas A. Edison, inventor da lâmpada, entre outros muitos trabalhos, também criou o Cinetoscópio, uma máquina que apresentava pequenos filmes através do mesmo princípio, e tinha a limitação de que o filme só podia ser visto por uma pessoa por vez.


Nessa página da Wikipedia, vocês conseguem ver alguns desses primeiro filmes exibidos. eles eram produzidos no Estúdio Black Maria. O cinematógrafo dos irmãos Lumière foram um aperfeiçoamento da máquina de Edison. 


O cinematógrafo é o pai das câmeras de vídeo. Ela funciona como uma máquina fotográfica (daquelas de filme, e não das digitais), que expunha periodicamente uma sequência do filme, como se tirasse fotografias em sequência. Esse foi o primeiro "documentário" produzido por Louis Lumière, chamado de "Sortie de L’usine Lumière à Lyon" (Saída da fábrica Lumière em Lyon):


Quem assistiu ao filme "A invenção de Hugo Cabret" (Scorcese, 2011), conhece um pouco da história de Georges Meliès, praticamente o primeiro a utilizar o cinematógrafo para criar histórias, utilizando-se de inúmeros efeitos especiais. Abaixo, assistam a um dos seus mais famosos filmes, "La voyage dans la lune" (A viagem à lua). Na época não haver tecnologia suficiente para criar filmes coloridos, e a equipe de Meliès pintava os filmes quadro a quadro, à mão.



Assim, surge a sétima arte. E sabem porque o cinema é a sétima arte? Em 1923, foi publicado um trabalho de Ricciotto Canudo chamado "Manifesto das sete artes", no qual ele enumera as artes:

1a arte: Música (descobrimos primeiro o som)
2a arte: Dança (depois o movimento)
3a arte: Artes Plásticas (que aparecem já nas pinturas rupestres)
4a arte: Escultura (volume)
5a arte: Artes Cênicas (representação)
6a arte: Literatura (linguagem)
7a arte: Cinema (integra todas as outras, inclusive a 8a forma)

Atualmente, mitos consideram uma continuidade nessa enumeração, mas ela não é aceita por todos:

8a arte: Fotografia (imagem)
9a arte: história em quadrinhos
10a arte: Videogames
11a arte: Arte digital

O cinema, mais que contar histórias, ele tem a capacidade de nos fazer imergir em uma série de significados, pelos mais diversos meios: um cenário, uma fala, uma tomada de câmera. Assim, ao se ver um filme, é importante se prestar atenção nos mais diversos detalhes, pois, assim como na vida, muitas vezes o mais importante está nas entrelinhas.

A Psicologia, como uma das ciências que estuda o homem, deve manter um contato íntimo com todas as formas de Arte, e atualmente o cinema, tanto pelo fácil acesso quanto pela quantidade de produções, possibilitou uma diálogo muito rico com ela.

Assim, como uma forma de homenagear essa que tanto nos dá a pensar, além de toda essa história vamos encerrar mostrando uma coletânia das mais importantes imagens da história do cinema.



Fontes: Infoescola
             Portal Educação



sexta-feira, 3 de abril de 2015

Garota Exemplar

            A maioria das pessoas podem procurar em “Garota Exemplar” uma narrativa policial, cercada de mistérios que rondam esse subgênero de filme: o mistério que se desenvolve sobre um suposto crime e as complicadas investigações que se seguem.
            Porém, não parece ser o roteiro misteriosos o mais interessante desta película e sim as alegorias sobre os discursos amorosos que insistem em nos frustrar.
            A bela Amy Dunne desaparece no dia do seu quinto aniversário de casamento, deixando o marido Nick em apuros. A abertura do filme já nos coloca em contato com a tensão e raiva que podem se transformar os projetos românticos quando a única perspectiva que se tem é o narcismo próprio. É a voz de Nick quem nos esclarece enquanto lembra-se de afagar os cabelos de sua mulher: “Quando penso na minha esposa, penso sempre na cabeça dela, me imagino partindo seu belo crânio esmiuçando seu cérebro em busca de respostas. A questão básica de qualquer casamento: ‘O que você está pensando? Como se sente? O que fizemos um com o outro?”.

            O diretor nos leva então 5 anos antes dos acontecimentos. Amy é uma mulher de 30 anos. Como a maioria das pessoas de sua geração ela está tensa com o imperativo do sucesso absoluto que rondam os imaginários contemporâneos. Não conhece seus talentos, sua beleza ou inteligência. Opera emocionalmente pelo radicalismo, aspecto comum nos dias de hoje: ou se é bom ou não é.
            O agravante está nas perspectivas de seus país, escritores de livros infantis famosíssimos desde que ela nasceu, a série ”Super Amy”, homenagem que fizeram à filha, nomeando a heroína de uma série de livros bem ilustrados, inclusive similar à aparência dela.
            Se a Amy real não conseguiu entrar no time de basquete, a Super Amy teve um volume dedicado só para suas façanhas em quadra até chegar ao primeiro lugar no final do campeonato estudantil. Enquanto Amy sonhava em ter um animal de estimação, Super Amy possuí um cachorro que se torna parceiro prodígio de suas aventuras. E para culminar, lá está a Amy real, chateada e solteira aos 30 anos, na festa de lançamento do livro que consagra o casamento de Super Amy.
            Os pais podem ser cruéis quando acreditam no discurso do investimento, se pagaram boas escolas, bons brinquedos, bons passeios, boas roupas, bons livros, boa alimentação, sessões de carinho, etc. esperaram colher não muito tarde as expectativas que projetaram em seus filhos através do respaldo cultural de causa e efeito. Afinal, o que é a dor da existência quando se “tem de tudo”?
            O diretor David Fincher foi muito artístico em construir no lançamento do livro uma cena típica de comédia holiwoodiana que subjetiva a todos nós quando o assunto é amor. Amy está respondendo perguntas à imprensa quando o simpático rapaz que ela namora há pouco tempo, o jornalista Nick, surge na coletiva de entrevistas e a pede romanticamente em casamento.
            Então Amy julga chegar à salvação: toda a desaprovação que construiu ao longo da vida por si mesma, por seus pais, pela cultura do espetáculo é revertida a seu favor, pois Nick é perfeito, Nick a entende, Nick não quer a super Amy ele quer a Amy (que também pode ser super agora).
            Eles desaprovam casais que não dão certo. Prometem que nunca serão como eles. Porém aqui a promessa é levada as últimas consequências.
            Aos cinco anos de casamento eles já sabem bem que sonhos particulares podem rapidamente definhar quando dependem da perspectiva de mais de uma pessoa. Não é redundante dizer que para se relacionar precisamos reconhecer o acontecimento do outro e não apenas pensar através de nossa perspectiva, principalmente quando concebemos o amor romântico como forma de superação de toda uma existência.
            Agora que Amy desapareceu a cidade toda está muito preocupada em busca desta querida mulher, outdoors, linha para informações, campanhas, etc. Mas de repente Nick começa a dar indícios de alívio! Seria ele o principal suspeito?

            Não é um grave spoiler dizer o que já suspeitávamos: antes do meio do filme o diretor nos mostra que Amy está viva e escondida! Ela planejou tudo para vingar-se do marido que ao não conseguir sustentar todas as suas frustrações buscava abandonar a relação ao mesmo tempo que se sentia um grande perdedor.
            O mistério principal não é quem matou Amy, mas se Nick vai conseguir se desvencilhar da armadilha muito bem planejada que ela armou ao descobrir que o amor não lhe fazia super.
            Aqui encontramos uma das alegorias do amor romântico contemporâneo: ele se constrói através de discursos de amor perfeito, relação institucional plena e realização sexual absoluta, tudo isso junto pode mandar para os ares qualquer dilema social, emocional ou filosófico. E claro, só depende de você, e apenas de você manter este patamar.
            Assim a narrativa nos dá um panorama hiperbólico da dor que é abandonar nossos aspectos egoístas que encontram ressonâncias na cultura do consumo. Assumir responsabilidades, limitações e conhecer os paradoxos da existência que não podem radicalmente serem classificados apenas como bons e ruins.


            Amy não vai ficar com a conta, vai fazer Nick pagar por ter frustrado os problemas que já estavam em andamento antes mesmo de se conhecerem. O sofrimento aqui é mútuo, atitude mais “anti-romântica” parece impossível. É irônico, e pensar que as intenções eram as melhores... 

domingo, 22 de março de 2015

Vida e Obra: A sublimação do amor em "O Jogo de Imitação"


Um dos indicados ao Oscar 2015 é "O Jogo de imitação", filme de Morten Tyldum que relata o papel representado na Segunda Guerra Mundial por Alan Turing (representado por Benedict Cumberbatch), que pode ser considerado o pai do computador moderno. Turing é um gênio hoje um pouco esquecido, mas cujos feitos mudaram a cara de nosso século. No filme, Turing participa de um grupo de descriptócrafos, que tentavam quebrar o Enigma, código de criptografia (mensagens que só podem ser lidas por aqueles que possuem uma senha que permite decodificar o texto) utilizado na guerra pela Alemanha nazista, para coordenar todos os ataques aos Aliados (Inglaterra, França, União Soviética, entre outros). Esse código era considerado inquebrável, mas Turing teve a ideia de construir uma máquina que era capaz de superar a criptografia alemã. 

O filme mostra Turing como um gênio com extrema dificuldade de lidar com os outros, com dificuldade de entender ironias e sarcasmo (alguém lembrou aí de Sheldon Cooper?). Entretanto, havia um detalhe que poderia colocar o trabalho de Turing em risco: ele era homossexual. Claro que hoje ainda há homofobia, mas na Inglaterra, práticas homossexuais consistiam em crime de indecência, punível pela lei. Tanto que, com 41 anos, suicidou-se, muito provavelmente devido ao sofrimento causado pela sua condenação, quatro anos antes. Para não ser preso, Turing submeteu-se à castração química: dosagem de grandes doses hormonais que reduzem o desejo sexual (cabe ressaltar que hoje em dia, em alguns países, a castração química ainda é utilizada para tratamento de pedófilos). É um tratamento que causa uma série de efeitos colaterais, e que atrapalhava o trabalho de Turing.



Entretanto, o que gostaria de abordar sobre o filme é uma interessante associação feita pelo diretor, e que, pelo que li, por biógrafos, entre a obra de Turing e sua relação com Christopher Morcom durante a escola (mais ou menos o que hoje em dia é o ensino médio). Mas antes, precisamos compreender um pouco sobre o conceito de sublimação de Freud.

Para Freud, os pensamentos inconscientes (principalmente os desejos e fantasias originados na infância), podem se manifestar na consciência através de processos defensivos que criam formas substitutas, simbólicas. Em caso de patologias, como nas neuroses, o recalque é a defesa que atua na manutenção desse conteúdo no inconsciente, que acabam passando pelos chamados "processos primários", que criam as formações sintomáticas. O caso de Anna O., por exemplo, cujo sintoma de hidrofobia (ela não conseguia beber água) era um símbolo da lembrança (tornada inconsciente) de ter visto o cachorro beber em uma xícara da família. Por outro lado, há formas saudáveis de transformação do conteúdo inconsciente. Uma delas é a sublimação. Nesse caso, a meta sexual do desejo é eliminada, e a energia da lembrança ou fantasia é empregada em uma ação que a representa simbolicamente. O desejo infantil de brincar com as fezes (e que é muito reprimido na fase que a criança aprende a usar o penico), pode ser a base na qual um escultor desenvolve simbolicamente sua arte. Assim, em vezes de mexer com fezes, ele transfere seus impulsos ao barro.

Alan Turing em 1951.
Mas o que isso tem a ver com Turing? Durante o filme, o diretor mescla cenas da amizade entre ele e Christopher. Foi esse quem apresentou a Turing um livro de criptografia, e ambos passaram a trocar mensagens que só eles poderiam decodificar. Entretanto, durante às férias, Christopher morre por consequência de tuberculose bovina. No filme, se tem a impressão de que o amigo havia ocultado de Turing a doença, mas há sites que desmentem o fato, colocando que ele havia sido avisado pela escola de que logo ele poderia perder seu amigo. De uma forma ou outra, podemos dizer que a morte de seu primeiro amor (Turing iria revelar seu sentimento ao amigo antes das férias, mas ele já havia ido embora) foi traumático para ele.

O interessante é perceber que, anos depois, Christopher seria o nome da máquina de Turing, aquela que decifrou o Enigma. é como se, na tentativa de manter vivo seu amor, ele tentasse recriá-lo, criando uma inteligência artificial que tinha o mesmo interesse que os amigos tinham em comum: enigmas. Assim, é como se todo o sentimento amoroso fosse elaborado na atividade científica de Turing, na tentativa, simbólica, de ressuscitar mecanicamente o amor de sua vida.


Turing (à esquerda) e Christopher (à direita)
Mas será isso saudável? Não poderíamos dizer que o melhor seria elaborar o luto, e assim poder abrir-se a novas relações, a novos amores? Claro que sim. Entretanto, a linha entre o normal e o patológico é tão frágil, principalmente quando se fala em grandes gênios. Há relatos de muitas mentes brilhantes com grandes sintomas e patologias, comportamentos inadaptados socialmente. Mas é no meio de tanta confusão emocional que nascem suas grandes ideias, e que mudam o mundo. Assim, na minha opinião, a sintomas que podem até destruir a vida pessoal, mas que criam uma vida coletiva, que se abrem a um novo mundo. Porque então não reconhecer que esse luto patológico, como o que viveu Turing, algo de positivo, que extrapola os limites da vida individual, suas dores e angústias, para tornar-se algo maior?

Por isso falo em Sublimação do amor. Creio que a visão do diretor é ver a estreita relação entre amor e razão, de mostrar que é no interior das loucuras afetivas de nosso coração que podem surgir as maiores ideias do pensamento humano.
















quinta-feira, 19 de março de 2015

O Sorriso de Monalisa

            

              Trata-se de um sensível e profundo filme que a partir dos discursos de gêneros (O que se espera de um corpo biologicamente feminino? O que se espera de uma vida nomeada como masculina) dispara reflexões sobre felicidade, amor, vida em sociedade, amizade, gosto pelo saber, paradigmas e algumas formas que o sistema disponibiliza para dar sentido à existência.
            No estado de Massachusetts no ano de 1953 a professora Katherine Watson chega para ministrar aulas de História da Arte na tradicional Wellesley College. Proveniente da ensolarada e progressista Califórnia, Katherine tem entusiasmo pelo saber, imagina que atuar em uma escola elitista, destinada apenas para mulheres, é uma forma de potencializar a emancipação feminina rumo a locais de liderança e transformação do mundo.
            Para a aplicada estudante Betty Warren a professora Watson “tinha em inteligência o que lhe faltava em pedigree”.
            Logo em sua primeira aula as bem vestidas e cultas alunas a surpreendem respondendo todo conteúdo do plano de ensino, evidenciando que conhecimento técnico não é um problema por ali.
            A surpresa maior está quando Katherine percebe que o discurso que subjetiva a maioria das mulheres daquela instituição não é diferente do que está lá fora: fazer um bom casamento e ser financeiramente dependente de um homem, estando os estudos em segundo plano, um pano de fundo para uma ‘boa e culta esposa’.



            A professora inicia uma jornada rumo a desconstrução daqueles engessantes paradigmas, que em suas palavras eram ‘uma nova forma de espartilho’ que pouco avançavam no quesito de colocar as mulheres em um lugar de emancipação.
            O filme também deixa implícito que a ideia de patriarcado, importante conceito que serviu para demonstrar os privilégios sociais/culturais/econômicos que os homens contavam e contam em relação às mulheres, precisa ser revista. Afinal, no campo afetivo que produz a significação de vida os homens estariam tão oprimidos quanto as mulheres, quando também são obrigados a performatizar rígidos papéis identitários.
            Esta ideia é exemplificada pelo professor de italiano Bill Dunbar, homem sedutor e inteligente que conta com a aparente liberdade masculina para dormir com quem quiser e desfrutar de sua solteirice depois dos 30, inclusive com suas alunas.         Porém, a miséria emocional com que homens são construídos no formato tradicional fica evidente quando de um bem sucedido herói de combate Dunbar é desmascarado como mero figurante da segunda guerra, sem nunca ter estado em campo de batalha. Afinal, porque ele precisava viver essa e outras mentiras como parte de seu ser? Quais expectativas são também depositadas neste tipo de subjetivação masculina?
            É desta percepção vazia que descobrimos como o discurso tradicional de masculinidade como sinônimo de força, liberdade, liderança, racionalidade e sexualidade compulsória pode alienar o homem do contato mais profundo com sua própria subjetividade, roubando a maioria de suas experimentações como ser humano. Os privilégios dados aos homens, quando olhados desta perspectiva, também restringem sua existência.
            Parece muito massacrante sustentar o pesado papel de “macho provedor” produzido à partir de uma renuncia de sua sensibilidade, na imposição de uma hipersexualidade, como se sua frieza e falta de tato fossem uma justificativa natural da diferença orgânica entre os sexos que organiza a sociedade, não sem um alto custo emocional para todas as expressões de gênero.
            Dunbar não é menos solitário do que a personagem Giselle Levy, a “subversiva aluna judia” que tinha em encontros sexuais corriqueiros e constantes não um possível estilo de vida potente mas sim uma forma de aliviar o vazio que se constituirá em sua vida, grande parte porque não encontrava significado nos paradigmas dominantes de amor, realização sexual e instituição do casamento (um dos tripés ideológicos do ocidente nos últimos 200 anos). Ambos pagavam preços diferentes, porém com fundos emocionais bem parecidos no vazio. Se tal arranjo de banalização sexual declarada é uma exceção às mulheres parece ser uma imposição aos homens.

            Dentre tantos outros disparadores o filme ganha muitos pontos ao não oferecer uma visão fechada do que seria amor e felicidade, a crítica aqui não é para o casamento, mas sim para a forma como o mesmo é oferecido e imposto como único e universal caminho. A própria Katherine se vê em um posicionamento inesperado ao reconsiderar sua vida unicamente boêmia enquanto suas alunas vão no movimento oposto.
            O sorriso de Monalisa nos mostra que o casamento é uma boa possibilidade, porém nem de longe é a única.

            Se ao olhar o quadro de Da Vinci não sabemos ao certo que segredos o sorriso esconde nem muito bem com o que ele se parece a narrativa vem nos chamar a atenção para um fato: o de que “ser” é muito mais importante do que “parecer”, nada mais atual para uma cultura que estimula a imagem e a ilusão do sucesso, produzindo aparente felicidade mas vazios e tristezas constitutivamente profundos.