Boas vindas à todos!

Esta é a iniciativa de três professores de Psicologia (e cinéfilos), que passavam horas no whatsapp comentando inúmeros filmes, indicando novas (ou velhas) obras cinematográficas. Buscamos com este blog compartilhar com todos os interessados nossas indicações e opiniões, claro que bastante recheadas de visões psicológicas!


Caso se interesse pelo filme que indicamos, recomendamos que você assista o filme e retorne ao nosso texto, se possível comentando, concordando ou não com nossas opiniões, e claro dando as suas próprias!


Você é bem-vindo a participar com a gente!

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Garota Exemplar

            A maioria das pessoas podem procurar em “Garota Exemplar” uma narrativa policial, cercada de mistérios que rondam esse subgênero de filme: o mistério que se desenvolve sobre um suposto crime e as complicadas investigações que se seguem.
            Porém, não parece ser o roteiro misteriosos o mais interessante desta película e sim as alegorias sobre os discursos amorosos que insistem em nos frustrar.
            A bela Amy Dunne desaparece no dia do seu quinto aniversário de casamento, deixando o marido Nick em apuros. A abertura do filme já nos coloca em contato com a tensão e raiva que podem se transformar os projetos românticos quando a única perspectiva que se tem é o narcismo próprio. É a voz de Nick quem nos esclarece enquanto lembra-se de afagar os cabelos de sua mulher: “Quando penso na minha esposa, penso sempre na cabeça dela, me imagino partindo seu belo crânio esmiuçando seu cérebro em busca de respostas. A questão básica de qualquer casamento: ‘O que você está pensando? Como se sente? O que fizemos um com o outro?”.

            O diretor nos leva então 5 anos antes dos acontecimentos. Amy é uma mulher de 30 anos. Como a maioria das pessoas de sua geração ela está tensa com o imperativo do sucesso absoluto que rondam os imaginários contemporâneos. Não conhece seus talentos, sua beleza ou inteligência. Opera emocionalmente pelo radicalismo, aspecto comum nos dias de hoje: ou se é bom ou não é.
            O agravante está nas perspectivas de seus país, escritores de livros infantis famosíssimos desde que ela nasceu, a série ”Super Amy”, homenagem que fizeram à filha, nomeando a heroína de uma série de livros bem ilustrados, inclusive similar à aparência dela.
            Se a Amy real não conseguiu entrar no time de basquete, a Super Amy teve um volume dedicado só para suas façanhas em quadra até chegar ao primeiro lugar no final do campeonato estudantil. Enquanto Amy sonhava em ter um animal de estimação, Super Amy possuí um cachorro que se torna parceiro prodígio de suas aventuras. E para culminar, lá está a Amy real, chateada e solteira aos 30 anos, na festa de lançamento do livro que consagra o casamento de Super Amy.
            Os pais podem ser cruéis quando acreditam no discurso do investimento, se pagaram boas escolas, bons brinquedos, bons passeios, boas roupas, bons livros, boa alimentação, sessões de carinho, etc. esperaram colher não muito tarde as expectativas que projetaram em seus filhos através do respaldo cultural de causa e efeito. Afinal, o que é a dor da existência quando se “tem de tudo”?
            O diretor David Fincher foi muito artístico em construir no lançamento do livro uma cena típica de comédia holiwoodiana que subjetiva a todos nós quando o assunto é amor. Amy está respondendo perguntas à imprensa quando o simpático rapaz que ela namora há pouco tempo, o jornalista Nick, surge na coletiva de entrevistas e a pede romanticamente em casamento.
            Então Amy julga chegar à salvação: toda a desaprovação que construiu ao longo da vida por si mesma, por seus pais, pela cultura do espetáculo é revertida a seu favor, pois Nick é perfeito, Nick a entende, Nick não quer a super Amy ele quer a Amy (que também pode ser super agora).
            Eles desaprovam casais que não dão certo. Prometem que nunca serão como eles. Porém aqui a promessa é levada as últimas consequências.
            Aos cinco anos de casamento eles já sabem bem que sonhos particulares podem rapidamente definhar quando dependem da perspectiva de mais de uma pessoa. Não é redundante dizer que para se relacionar precisamos reconhecer o acontecimento do outro e não apenas pensar através de nossa perspectiva, principalmente quando concebemos o amor romântico como forma de superação de toda uma existência.
            Agora que Amy desapareceu a cidade toda está muito preocupada em busca desta querida mulher, outdoors, linha para informações, campanhas, etc. Mas de repente Nick começa a dar indícios de alívio! Seria ele o principal suspeito?

            Não é um grave spoiler dizer o que já suspeitávamos: antes do meio do filme o diretor nos mostra que Amy está viva e escondida! Ela planejou tudo para vingar-se do marido que ao não conseguir sustentar todas as suas frustrações buscava abandonar a relação ao mesmo tempo que se sentia um grande perdedor.
            O mistério principal não é quem matou Amy, mas se Nick vai conseguir se desvencilhar da armadilha muito bem planejada que ela armou ao descobrir que o amor não lhe fazia super.
            Aqui encontramos uma das alegorias do amor romântico contemporâneo: ele se constrói através de discursos de amor perfeito, relação institucional plena e realização sexual absoluta, tudo isso junto pode mandar para os ares qualquer dilema social, emocional ou filosófico. E claro, só depende de você, e apenas de você manter este patamar.
            Assim a narrativa nos dá um panorama hiperbólico da dor que é abandonar nossos aspectos egoístas que encontram ressonâncias na cultura do consumo. Assumir responsabilidades, limitações e conhecer os paradoxos da existência que não podem radicalmente serem classificados apenas como bons e ruins.


            Amy não vai ficar com a conta, vai fazer Nick pagar por ter frustrado os problemas que já estavam em andamento antes mesmo de se conhecerem. O sofrimento aqui é mútuo, atitude mais “anti-romântica” parece impossível. É irônico, e pensar que as intenções eram as melhores...