Boas vindas à todos!

Esta é a iniciativa de três professores de Psicologia (e cinéfilos), que passavam horas no whatsapp comentando inúmeros filmes, indicando novas (ou velhas) obras cinematográficas. Buscamos com este blog compartilhar com todos os interessados nossas indicações e opiniões, claro que bastante recheadas de visões psicológicas!


Caso se interesse pelo filme que indicamos, recomendamos que você assista o filme e retorne ao nosso texto, se possível comentando, concordando ou não com nossas opiniões, e claro dando as suas próprias!


Você é bem-vindo a participar com a gente!

quarta-feira, 29 de julho de 2015

O Doador de Memórias e o Despertar para a Vida




O filme "O Doador de Memórias" ou "The Giver" é uma adaptação literária. É ficção científica mas também é um drama, como classificam por aí....O filme é de 2014.

Sinopse Adorocinema: A história passa-se em uma pequena comunidade, a qual vive em um mundo aparentemente ideal, sem doenças nem guerras, mas também sem sentimentos. Uma pessoa é encarregada a armazenar as memórias de forma a poupar os demais habitantes do sofrimento e também guiá-los com sua sabedoria. De tempos em tempos esta tarefa muda de mãos e agora cabe ao jovem Jonas, que precisa passar por um duro treinamento para provar que é digno da responsabilidade. 

Trailer: Doador de Memórias



Estava rodando os canais e o filme começou a passar. Como já haviam me dito que era um filme bacana, resolvi conferir...e é mesmo!!! É muito bacana!!

Atenção!! Há alguns Spoilers!!
O garoto Jonas é o escolhido para passar pelo treinamento com o ancião que é quem retém as memórias de toda a humanidade. Quando se inicia o treinamento, há algumas instruções que Jonas deve seguir: entre elas, não tomar as injeções anestésicas da manhã antes de ir para o treino.
Seu treinamento é conhecer memórias, despertar emoções e conhecer o passado da humanidade. Ele vai até a casa do ancião e lá fazem o treinamento juntos, unidos. O ancião mostra a ele o mundo, as memórias de toda a nossa humanidade. Essa parte do filme é maravilhosa. Na realidade, o que quero dizer que esse processo é maravilhoso. Se o ser humano se propõe a isso, ele pode estar se propondo a viver, a despertar para a vida.

Nas entrelinhas e de forma escancarada o mundo de hoje prega a felicidade e a anestesia da dor, seja ela física ou psíquica. Quem não gostaria de um analgésico da dor da alma? Da dor psíquica? Da dor de amar? Da dor da indiferença? Da dor do abandono? Essa dor é das entranhas.....e é doída, é profunda. Mas não há remédio pra ela aqui no nosso mundo. Há mecanismos para evitá-la, para negá-la, para fugir dela.
Mas na comunidade do filme essa dor foi anestesiada há muito tempo e vivem sem dor, mas junto a ela as outras emoções também foram: a alegria não existe, a admiração não existe...o amor não existe. O grande sentimento transformador, a emoção-motor.

Em uma cena em que o personagem Jonas está com suas emoções despertando, ele diz ao pai: Pai, você me ama?
Sua mãe, confusa e brava, olha pra ele e diz: Jonas!! O que é isso? Precisão de Linguagem!!
O pai responde: Filho, tenho orgulho de suas conquistas e gosto de você!

E eu ali assistindo: Geeenteeeee, como viver sem emoções???? 
Pois é!! Mas em algumas situações e circunstâncias de sofrimento e dor é assim que se vive mesmo! Sem emoções, se protegendo de tudo, se anestesiado de tudo. É pra conseguir sobrevier que fazemos isso. Sim, eu, você, nós todos fazemos. 

Uma outra coisa que é uma sacada bacana é que o filme começa preto e branco, representando a mesmice, o preto no branco, a não abertura. E ao longo do processo de despertar das emoções de Jonas, o filme ganha cor....até ficar vibrante!! Juntamente com as imagens e as emoções que o personagem vai experimentando. É envolvente.

O processo de despertar para a vida do personagem Jonas me lembra também ao processo de análise. Não só porque ele e o Doador sentam frente a frente em poltronas em uma sala-setting Não, não só por isso. Mas também porque quando o analisando junto com seu analista (uma dupla, um par que possuem uma relação de aliança que vai além do que muitas vezes a teoria explica) entra em contato com aspectos próprios que estavam lá para ser conhecidos, e então pode revitalizar esses aspectos, conteúdos guardados, esquecidos, confusos ou desconhecidos é como um despertar. É sofrido, é dolorido, mas também é um processo de desenvolvimento e de despertar de vida e para a vida.

Penso que o filme é muito mais do que uma história para adolescentes!!
É preciso olhar além do que se vê!!
Bom, fica a dica aí pessoal.
Bjos e bons filmes para todos nós!!


domingo, 12 de julho de 2015

Meus Psicopatas Favoritos! - Introdução

Foto 1. 
Antes de começar, já adianto que, conforme for falando, linkarei aqui os artigos a partir dos quais fiz esses apontamentos (creio que não temos necessidade de seguir as normas ABNT ou APA em um blog...). Outra coisa, preciso fazer uma introdução teórica antes de falar do cinema, então tenham paciência.

Existe uma diferença interessante entre psicopatologias como as histerias, as neuroses obsessivas (como o TOC), e os transtornos de personalidade. Estes não são propriamente doenças, mas "anomalias no desenvolvimento psíquico" (vide este artigo). Ou seja, são modificações generalizadas, que abrangem inúmeros aspectos da personalidade dos sujeitos. Tanto o CID quando o DSM apresentam algumas classificações acerca de vários tipos de transtornos de personalidade, mas esse não é nosso assunto principal. Hoje gostaria de falar de uma série de comportamentos específicos, considerados anti-sociais. Ou seja, pessoas que atuam de forma prejudicial ao outro, sem que haja arrependimentos, culpas, ou qualquer sentimento de empatia. São os chamados psicopatas.

Foto 2.
Na verdade, se tivermos que ser bem científicos, temos que aprender que tais comportamentos envolvem diferentes transtornos de personalidade. Muitas pessoas costumam confundir a psicopatia com a sociopatia e o transtorno de personalidade antisocial (como pode ser lido aqui). No DSM, o primeiro se falava em dois tipos: a psicopatia e o transtorno de personalidade sociopática, que foi posteriormente substituído por Transtorno de personalidade Antissocial (TPAS). A psicopatia e o TPAS são diferentes, mas uma parte dos casos de TPAS pode ser considerada casos que envolve psicopatia. A diferença está é que o Psicopata possui quatro dimensões (conforme este artigo):

 - Interpessoal: "superficialidade e manipulação das relações, auto-estima grandiosa e mentira patológica". Percebe-se que, além de ele não conseguir estabelecer relações profundas, ele é profundamente narcisista, crê na sua infalibilidade e no seu poder onipotente;
 - afetiva: "falta de remorso, afeto superficial, falta de empatia e não-aceitação de responsabilidade pelos próprios atos". Ou seja, não há muita empatia pelo outro, ele simplesmente não consegue sentir o que o outro sente como consequência de seus atos;
 - estilo de vida: "busca de sensação, impulsividade, irresponsabilidade, parasitismo em relação aos outros e falta de objetivos realistas". Esse aspecto é importante, há pouco ou nenhum controle dos impulsos, característica importante para a manutenção da vida social;
 - anti-social: "pouco controle do comportamento, problemas de comportamento precoces, delinquência na juventude, versatilidade criminosa e revogação de liberdade condicional". Aqui são aspectos sociais, ou seja, os psicopatas tem pouca capacidade de se integrar na vida social, e acumulam um histórico de atos considerados criminosos.


Foto 3.
O conceito de psicopatia está ligado à perversão, que se refere, segundo à Psicanálise, a uma forma muito específica de estrutura de personalidade. Para falar disso, vou falar um pouco da leitura lacaniana da obra de Freud.

Para Lacan, a personalidade é uma estrutura, ou seja, um conjunto estável de elementos que se articulam e dão uma características particular à forma de agir, pensar, sentir e desejar de uma pessoa.  A explicação que vou dar aqui é bem rápida e incompleta, pois não é esse o objetivo do texto. Se pretendem saber mais sobre isso, peço que procurem textos sobre a teoria sexual em Freud. Essa estrutura se forma a partir da resolução do complexo de Édipo, e depende da forma como a criança lida com a angústia de castração. Durante a fase edípica, a criança começa a perceber uma diferença muito clara entre ela e outras crianças e mesmo entre adultos, que é a diferença sexual. O menino repara que há pessoas, as mulheres, que não tem um pênis, e as meninas se dão conta de que não o tem ou de que ele é muito pequeno (o clitóris). Há uma fantasia coletiva de que todo mundo tem um pênis, e Freud percebeu isso analisando inúmeros sonhos e fantasias infantis. Ao se dar conta dessa diferença, a criança interpreta a falta de pênis como castração, ou seja, quem não o tem perdeu porque alguém lhe cortou fora esse órgão. Ao se deparar com a possibilidade de perder o pênis, a criança passa por uma forma específica de angústia, chamada de angústia de castração. 

Foto 4: Só de olhar a foto minha angústia de castração voltou...
A castração parece ser para ela uma punição muito severa contra algo que ela fez. Como ela está na fase edípica, geralmente ela associa a castração como uma ação possível de ser feita (no caso do menino) ou já concretizada (no caso da menina) pelo pai do mesmo sexo, com quem ela disputa o amor do pai do sexo oposto. Na resolução normal do Édipo, o menino, com medo da castração, abandona o amor pela mãe e entra na fase de latência, para depois substituir a figura materna por outra. No caso da menina, ela substitui o desejo de ter um pênis pelo de ter um filho do pai, para depois abandonar esses desejos, entrar na latência, e depois substituir o pai por outro homem.

A imagem que geralmente desperta na criança a angústia de castração é a de uma mulher sem pênis. Geralmente a mãe, pois essa, o seu primeiro foco de amor, é considerada como portadora de objetos muito preciosos, incluindo o falo. Pode-se dizer que a criança pode enfrentar o medo da castração com base em três mecanismos diferentes de defesa psicológica. Cada um deles dá base a uma estrutura de personalidade diferente:

 - Recalque: Quanto maior é a capacidade de sublimação, ou seja, de desviar a energia sexual dessas fantasias para atividades não-sexuais (sociais, artísticas, sonhos, atos falhos,etc.), mais saudável sera a pessoa. Acho que seria difícil falar em uma pessoa que fosse completamente normal, que tivesse sublimado todos os desejos sem consequências.Geralmente parte dos desejos terminam recalcados. No recalque, as fantasias infantis a respeito da mulher fálica, o desejo pela mãe, e todos os sentimentos ligados a isso são recalcados, isto é, guardados no inconsciente. Posteriormente, eles retornam para a consciência através de sintomas. O indivíduo tem o que se chama de estrutura neurótica de personalidade. Fantasiam inconscientemente sobre essa sexualidade infantil, demonstram angústias e ansiedades em relação a alguns aspectos de sua vida. Não estamos falando aqui de uma doença. A pessoa pode sentir angústia sem ter um problema psicológico grave. Mas se ela vier a ter alguma doença psicológica, geralmente ela terá alguma neurose (TOC, histeria, fobias, transtorno de ansiedade, etc.);

 - Forclusão: Quando a criança não consegue romper com o universo infantil e a ligação simbiótica com a mãe, ela quebra então o vínculo com a realidade. Nesse caso, para Lacan, ela nega o "Nome do Pai", termo que se refere à lei paterna que instaura a separação entre mãe e bebê e abre a possibilidade da criança entrar no simbólico. Ou seja, ela não consegue aguentar a angústia de castração, então ela rompe com a realidade para não encaram o fato da "mãe castrada". A estrutura de personalidade ligada a essa defesa é chamada de psicótica, e pode levar a formação de sintomas psicóticos, como alucinações e delírios.

 - Denegação: É aqui que se fala mais propriamente da estrutura de personalidade perversa. Frente a evidência da ausência do falo feminino, a angústia de castração é tão forte que a criança desvia o olhar, e fixa-se no primeiro objeto que possa usar para "denegar" essa falta. Essa é a explicação de Freud para o fetichismo, uma das formas de sexualidade mais utilizadas para compreender o que é perversão. Seja uma lingerie, seja o pé, um salto-alto, cabelos, objetos fálicos, etc, algo ocupa o lugar desse pênis ausente. Por isso Lacan fala que o perverso coloca um véu sobre a falta - ele sabe e não sabe que lá não têm um pênis, oscila entre essas duas posições, e oscila também em relação a Lei paterna castradora. Ele a ignora, "finge que não vê"...

Foto 5:

Entretanto, com a mudança de nossa sociedade, várias formas de sexualidade foram deixando de ser consideradas patológicas. A homossexualidade, por exemplo, deixou de ser considerada patologia, e o fetichismo, de graus mais brandos, deixou de ser considerado doença, e passou a fazer parte da sexualidade normal. Exceto algumas formas, como a pedofilia, já que ela envolve relações sexuais com crianças e adolescentes, considerados ainda incapazes para decidir livremente por ter relações com alguém, e a relação, seja forçada ou seja por persuasão, acaba levando a traumas graves.

Mas a perversão ganhou um quadro mais geral. Vamos nos basear na sua característica oscilante en relação a lei paterna. Ela mostra duas atitudes conjuntas, uma aparentemente normal, que consegue viver dentro da sociedade e respeitando seus limites, e outra perversa, que não satisfaz livremente seus desejos. Freud disse uma vez que a perversão é o inverso da neurose. Aquilo que o neurótico apenas fantasia em seu inconsciente, o perverso faz na realidade. Não há controle de impulsos.

O que se tem aí é uma nova concepção de perversão, que está associada a psicopatia. Falta de empatia, impulsividade, comportamento antisociais, superficialidade das relações. O psicopata é uma pessoa que parece, em parte, totalmente integrada à sociedade, mas que, quando algo diz respeito a seus desejos sexuais e agressivos, ele age sem pensar nos efeitos que isso pode causar no outro. 

Foto 6: Parece, mas não é...
O cinema se interessa bastante pela psicopatia. Entretanto, muitos personagens considerados psicopatas não poderiam ser completamente enquadrados nessa estrutura de personalidade. Pode acompanhar, por exemplo, essa lista aqui. e você percebe que o cinema vê o psicopata de outro modo. Geralmente um louco, que aparenta ser comum. Ms sim um criminoso, serial-killer, que arrasta uma série de mortes muito bem arquitetadas.

O que precisamos pensar é que um psicopata pode morar bem ao seu lado. Pode ser seu parente. E até pode ser você mesmo. Mas você pode me dizer: "Eu? Como assim? nunca matei, torturei, nem fiz risoto com o rim de ninguém!" (esse último é referência ao Hannibal, meu psicopata predileto hehehehe).

Foto 7: Está com fome?
Segundo Déborah Pimentel (nesse artigo aqui), pode-se falar de uma "Psicopatia da vida cotidiana". De acordo com ela, em determinadas épocas e lugares, algumas patologias e estruturas de personalidade prevalecem. Na época de Freud, as neuroses, principalmente a histeria, eram muito comuns. A depressão já foi e ainda é uma das mais terríveis patologias de nossa época. Entretanto, para ela, uma outra patologia se tornou comum... justamente a psicopatia.

Atualmente, as crianças são impedidas de desejar. O que se quer dizer com isso? Que elas não tem o que querem? Que as crianças são proibidas, controladas, que seus pais nada fazem por elas, a ponto de que elas não tem condições de desejar algo diferente? Na verdade, apesar de que em muitos lugares as crianças vivam em condições tão miseráveis ou com tamanha violência que pouco sobra para elas em termos de desejo, o que ocorre hoje, na maioria das famílias com as quais temos contato, é o oposto: as crianças não desejam, pois os pais não lhes dão tempo para isso. Para haver desejo, é preciso um espaço, no qual a criança sinta que algo lhe falte, e assim busque alguma coisa ou atividade que possa suprir essa falta. Mas o que os pais fazem? Não deixam a criança sentir falta. Assim que pede, que chora, que aponte o dedo para o que quer, ela o tem. 

Foto 8.
Vive-se em uma sociedade com jovens que cada vez mais tem menos capacidade de lidar com as frustrações da vida, pois não houve tempo de aprender a lidar com elas quando crianças. Uma criança que aprende que ão tem tudo o que quer quando e como quer, com o tempo percebe que na vida tem que se negociar, que aceitar condições, e muitas vezes adiar ou deixar de lado alguns desejos. Isso se torna cada vez mais difícil. 

A autora fala que estamos cada vez mais narcisistas, menos empáticos. Não há remorsos, só se busca a satisfação individual. Há uma dessensibilização da desgraça, do crime, da violência, da morte - tudo passa a ser cotidiano. E a virtualização das relações, através da internet e principalmente das redes sociais, criaram novas formas de violência e de distanciamento do outro. E há plena consciência dessa violência, assistida ou mesmo perpetrada, o que caracteriza ainda mais o ato como perverso. Há, portanto, uma epidemia de psicopatia, ou seja, nossa sociedade está cada vez mais perversa, desde sua estrutura político-econômica até as relações sociais mais íntimas. Por isso, cuidado: o perverso pode ser você!

Foto 9.
Bom agora que todos estamos olhando-se no espelho, nas janelas, no Facebook, buscando ver se é ou quem é um "psicopata cotidiano", podemos voltar a que nos interessa (primeiro a gente joga a bomba e depois muda de assunto hehehehe). Esse post é introdutório, para que eu possa falar, nas próximas postagens, sobre meus perversos favoritos. Ou seja, vamos levantar filmes e personagens que marcaram o cinema e principalmente minha vida de cinéfilo, e que possuem essa características peculiar da Psicopatia.

Para encerrar, que tal as fotos espalhadas pelos posts. Elas representam alguns dos psicopatas mais famosos do cinema. Você consegue identificar o filme/série de cada foto? Poste um comentário com sua resposta! E não se esqueça de dizer o número da foto!

Abraço a todos!

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Malena, ou o aprendizado do amor


Malèna é um filme italiano dirigido por Giuseppe Tornatore, que narra o encontro avassalador de Renato, um garoto de 13 anos, com Malèna, esposa de um combatente italiano na Segunda Guerra mundial. O filme toma como linha de narração o encontro e a paixão que Renato nutre por ela, e como essa relação (imaginária) o modifica em uma das épocas mais conturbadas da vida de uma pessoa, a adolescência.

O filme pode ser discutido por algumas vertentes, todas muito interessantes: a dinâmica social extremamente autoritária da cidade, que manteve Malèna entre a segregação social e o centro atrator das atenções; a questão da guerra, e de como ela atravessa o cotidiano das pessoas. Entretanto, preferi tomar aqui um outro caminho, que é compreender a passagem de Renato para a vida adulta, o que foi efetuado através de sua paixão por ela.

É interessante ressaltar aqui como a sociedade italiana da época demarcava claramente a diferença entre um menino e um homem: as calças curtas. Enquanto usa bermudas, Renato é tratado como um garoto, e não tem nenhuma voz social, nem no seu grupo de amigos. Ele anseia por conseguir calças compridas, e chega a roubar um par de seu pai, que guardava para seu enterro, para que o alfaiate pudesse ajustar para ele. 

Entretanto, apesar das bermudas marcarem socialmente esse estado infantil, pode-se perceber que Renato, psicologicamente, mantém formas afetivas infantis, o que é muito comum nessa idade. O que hoje chamamos de pré-adolescente nada mais é do que uma criança que começa a sentir a emergência de um amadurecimento biológico (no filme, quando Renato vê Malèna pela primeira vez percebe uma ereção, ou que ressalta a consciência que ele adquire de seu despertar pubertário). Entretanto, ele ainda carrega as formas de amor pautadas na primeira infância.

Segundo Freud, nas primeiras fases do desenvolvimento infantil de um menino, principalmente no momento do Complexo de Édipo, pode-se perceber nele um sentimento de amor onipotente pela mãe. A criança coloca-se na possibilidade, imaginária, de ter uma relação de igual para igual com sua mãe, antecipando-se assim as formas adultas de relação afetiva.

Entretanto, na criança, esse amor é onipotente, recheado de fantasias, centrado em uma idealização da relação e do prazer que se pode obter com ela. A relação de Renato com Malèna é pautada nessa forma de amor infantil. Ele se imagina com ela, tendo como base de suas fantasias inúmeras cenas de filmes em preto-e-branco. 

Uma cena bem interessante sobre suas fantasias onipotentes possui ainda um toque cômico. Enquanto se masturba na cama, vendo-se em diversas cenas de filmes clássicos como par romântico de Malèna, se vê uma cena de filme de faroeste, no qual ele é o pistoleiro que beija Malèna, a donzela em perigo, pouco depois de resgatá-la e durante um tiroteio, ouve ela lhe dizer: "Renato, você tem a maior pistola do oeste!". Está claro aí a referência fálica, narcísica, acerca da potência sexual e do poder que possui para conquistar Malèna.

Por outro lado, na realidade, ele a persegue, espreita pelos cantos a observá-la, rouba-lhe uma calcinha, mas nunca fala diretamente com ela. Essa é a dualidade do amor infantil, pleno na fantasia, e frustrado na realidade. A criança, durante a fase do complexo de Édipo, termina por se dar conta, inconscientemente, da impossibilidade de realizar seu amor por sua mãe, pela dificuldade de enfrentar o pai, já que este é mais forte, sem falar que também o ama. A criança termina por subjulgar esse amor, recalcado no inconsciente, e que se torna um protótipo de novas formas de relação.

A Adolescência, mais do que uma maturidade biológica, é o período no qual vários dilemas infantis retornam. Ao ver-se capaz de ter uma relação sexual, o adolescente sente inconscientemente que seria capaz de concretizar suas fantasias infantis, e estas ganham força e buscam a consciência. Malèna é quem trás Renato novamente para os dilemas do amor, e é através dessa relação que ele aprende a forma adulta de amor.

Diferente do amor infantil, intenso, absoluto, imaginário, o amor adulto tende a levar em consideração as limitações da realidade, é mais pautado na doação, na ternura. Quando o marido de Malèna, que havia sido dado como morto mas que estava preso durante a guerra, retorna à cidade, ele não encontra sua esposa, que havia sido expulsa pelos cidadãos, devido as relações, mais presumidas que reais, dela com homens casados. Renato, ao ver que ninguém fala a ele sobre o triste destino de Malèna, abre mão pela primeira vez de seu ciúme e da relação possessiva que tinha com ela (que sempre se dava de fora culta, quando ele realizava pequenas punições aos que falavam mal dela), e lhe envia uma carta, dizendo onde ela estava.

O que se percebe é um crescimento afetivo de Renato. Ele aceita o fato de que não há possibilidade de relação real com Malèna, e desenvolve por ela uma nova forma de amar, mais pautada na doação de si do que na possessão do outro. Isso a ponto de se preocupar mais com o bem-estar de Malèna, que acaba encontrando seu marido e voltando a viver com ele.

Espero que o texto tenha esclarecido um pouco sobre o que quis dizer sobre "o aprendizado do amor". A maioria das músicas românticas, como os sertanejos universitários, por exemplo, exaltam formas de amor que são idealizadas, na qual um vive para o outro, de forma pura, plena, como se "fossem um só". 

Sinceramente, eu acho que, se há um só, não há amor, não há relação, há uma fusão. O que o filme mostra é que essa alternativa idealizada e onipotente de amor, na verdade, tem raízes pronfundas nas primeiras conexões afetivas de cada um. Para se aprender a amar, é preciso, primeiro, aceitar a frustração que é perceber que o outro é e sempre será um outro, com seus gostos, com suas qualidades e com seus defeitos. Toda relação está marcada pela impossibilidade dessa fusão, desse "nós somos um só", e é isso que garante que haja uma relação, uma troca, uma verdadeira doação. Quando doamos, nunca doamos tudo: damos nosso amor, mas também amamos outras pessoas e coisas. E o outro também. Assim, o que pude perceber com Renato é que o Amor se faz belo e tão importante na vida das pessoas porque ele é recheado de uma parcela de dor, de sofrimento, que é o que nos mantém "dois", nos mantém unidos e separados, ao mesmo tempo.