Boas vindas à todos!

Esta é a iniciativa de três professores de Psicologia (e cinéfilos), que passavam horas no whatsapp comentando inúmeros filmes, indicando novas (ou velhas) obras cinematográficas. Buscamos com este blog compartilhar com todos os interessados nossas indicações e opiniões, claro que bastante recheadas de visões psicológicas!


Caso se interesse pelo filme que indicamos, recomendamos que você assista o filme e retorne ao nosso texto, se possível comentando, concordando ou não com nossas opiniões, e claro dando as suas próprias!


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domingo, 12 de julho de 2015

Meus Psicopatas Favoritos! - Introdução

Foto 1. 
Antes de começar, já adianto que, conforme for falando, linkarei aqui os artigos a partir dos quais fiz esses apontamentos (creio que não temos necessidade de seguir as normas ABNT ou APA em um blog...). Outra coisa, preciso fazer uma introdução teórica antes de falar do cinema, então tenham paciência.

Existe uma diferença interessante entre psicopatologias como as histerias, as neuroses obsessivas (como o TOC), e os transtornos de personalidade. Estes não são propriamente doenças, mas "anomalias no desenvolvimento psíquico" (vide este artigo). Ou seja, são modificações generalizadas, que abrangem inúmeros aspectos da personalidade dos sujeitos. Tanto o CID quando o DSM apresentam algumas classificações acerca de vários tipos de transtornos de personalidade, mas esse não é nosso assunto principal. Hoje gostaria de falar de uma série de comportamentos específicos, considerados anti-sociais. Ou seja, pessoas que atuam de forma prejudicial ao outro, sem que haja arrependimentos, culpas, ou qualquer sentimento de empatia. São os chamados psicopatas.

Foto 2.
Na verdade, se tivermos que ser bem científicos, temos que aprender que tais comportamentos envolvem diferentes transtornos de personalidade. Muitas pessoas costumam confundir a psicopatia com a sociopatia e o transtorno de personalidade antisocial (como pode ser lido aqui). No DSM, o primeiro se falava em dois tipos: a psicopatia e o transtorno de personalidade sociopática, que foi posteriormente substituído por Transtorno de personalidade Antissocial (TPAS). A psicopatia e o TPAS são diferentes, mas uma parte dos casos de TPAS pode ser considerada casos que envolve psicopatia. A diferença está é que o Psicopata possui quatro dimensões (conforme este artigo):

 - Interpessoal: "superficialidade e manipulação das relações, auto-estima grandiosa e mentira patológica". Percebe-se que, além de ele não conseguir estabelecer relações profundas, ele é profundamente narcisista, crê na sua infalibilidade e no seu poder onipotente;
 - afetiva: "falta de remorso, afeto superficial, falta de empatia e não-aceitação de responsabilidade pelos próprios atos". Ou seja, não há muita empatia pelo outro, ele simplesmente não consegue sentir o que o outro sente como consequência de seus atos;
 - estilo de vida: "busca de sensação, impulsividade, irresponsabilidade, parasitismo em relação aos outros e falta de objetivos realistas". Esse aspecto é importante, há pouco ou nenhum controle dos impulsos, característica importante para a manutenção da vida social;
 - anti-social: "pouco controle do comportamento, problemas de comportamento precoces, delinquência na juventude, versatilidade criminosa e revogação de liberdade condicional". Aqui são aspectos sociais, ou seja, os psicopatas tem pouca capacidade de se integrar na vida social, e acumulam um histórico de atos considerados criminosos.


Foto 3.
O conceito de psicopatia está ligado à perversão, que se refere, segundo à Psicanálise, a uma forma muito específica de estrutura de personalidade. Para falar disso, vou falar um pouco da leitura lacaniana da obra de Freud.

Para Lacan, a personalidade é uma estrutura, ou seja, um conjunto estável de elementos que se articulam e dão uma características particular à forma de agir, pensar, sentir e desejar de uma pessoa.  A explicação que vou dar aqui é bem rápida e incompleta, pois não é esse o objetivo do texto. Se pretendem saber mais sobre isso, peço que procurem textos sobre a teoria sexual em Freud. Essa estrutura se forma a partir da resolução do complexo de Édipo, e depende da forma como a criança lida com a angústia de castração. Durante a fase edípica, a criança começa a perceber uma diferença muito clara entre ela e outras crianças e mesmo entre adultos, que é a diferença sexual. O menino repara que há pessoas, as mulheres, que não tem um pênis, e as meninas se dão conta de que não o tem ou de que ele é muito pequeno (o clitóris). Há uma fantasia coletiva de que todo mundo tem um pênis, e Freud percebeu isso analisando inúmeros sonhos e fantasias infantis. Ao se dar conta dessa diferença, a criança interpreta a falta de pênis como castração, ou seja, quem não o tem perdeu porque alguém lhe cortou fora esse órgão. Ao se deparar com a possibilidade de perder o pênis, a criança passa por uma forma específica de angústia, chamada de angústia de castração. 

Foto 4: Só de olhar a foto minha angústia de castração voltou...
A castração parece ser para ela uma punição muito severa contra algo que ela fez. Como ela está na fase edípica, geralmente ela associa a castração como uma ação possível de ser feita (no caso do menino) ou já concretizada (no caso da menina) pelo pai do mesmo sexo, com quem ela disputa o amor do pai do sexo oposto. Na resolução normal do Édipo, o menino, com medo da castração, abandona o amor pela mãe e entra na fase de latência, para depois substituir a figura materna por outra. No caso da menina, ela substitui o desejo de ter um pênis pelo de ter um filho do pai, para depois abandonar esses desejos, entrar na latência, e depois substituir o pai por outro homem.

A imagem que geralmente desperta na criança a angústia de castração é a de uma mulher sem pênis. Geralmente a mãe, pois essa, o seu primeiro foco de amor, é considerada como portadora de objetos muito preciosos, incluindo o falo. Pode-se dizer que a criança pode enfrentar o medo da castração com base em três mecanismos diferentes de defesa psicológica. Cada um deles dá base a uma estrutura de personalidade diferente:

 - Recalque: Quanto maior é a capacidade de sublimação, ou seja, de desviar a energia sexual dessas fantasias para atividades não-sexuais (sociais, artísticas, sonhos, atos falhos,etc.), mais saudável sera a pessoa. Acho que seria difícil falar em uma pessoa que fosse completamente normal, que tivesse sublimado todos os desejos sem consequências.Geralmente parte dos desejos terminam recalcados. No recalque, as fantasias infantis a respeito da mulher fálica, o desejo pela mãe, e todos os sentimentos ligados a isso são recalcados, isto é, guardados no inconsciente. Posteriormente, eles retornam para a consciência através de sintomas. O indivíduo tem o que se chama de estrutura neurótica de personalidade. Fantasiam inconscientemente sobre essa sexualidade infantil, demonstram angústias e ansiedades em relação a alguns aspectos de sua vida. Não estamos falando aqui de uma doença. A pessoa pode sentir angústia sem ter um problema psicológico grave. Mas se ela vier a ter alguma doença psicológica, geralmente ela terá alguma neurose (TOC, histeria, fobias, transtorno de ansiedade, etc.);

 - Forclusão: Quando a criança não consegue romper com o universo infantil e a ligação simbiótica com a mãe, ela quebra então o vínculo com a realidade. Nesse caso, para Lacan, ela nega o "Nome do Pai", termo que se refere à lei paterna que instaura a separação entre mãe e bebê e abre a possibilidade da criança entrar no simbólico. Ou seja, ela não consegue aguentar a angústia de castração, então ela rompe com a realidade para não encaram o fato da "mãe castrada". A estrutura de personalidade ligada a essa defesa é chamada de psicótica, e pode levar a formação de sintomas psicóticos, como alucinações e delírios.

 - Denegação: É aqui que se fala mais propriamente da estrutura de personalidade perversa. Frente a evidência da ausência do falo feminino, a angústia de castração é tão forte que a criança desvia o olhar, e fixa-se no primeiro objeto que possa usar para "denegar" essa falta. Essa é a explicação de Freud para o fetichismo, uma das formas de sexualidade mais utilizadas para compreender o que é perversão. Seja uma lingerie, seja o pé, um salto-alto, cabelos, objetos fálicos, etc, algo ocupa o lugar desse pênis ausente. Por isso Lacan fala que o perverso coloca um véu sobre a falta - ele sabe e não sabe que lá não têm um pênis, oscila entre essas duas posições, e oscila também em relação a Lei paterna castradora. Ele a ignora, "finge que não vê"...

Foto 5:

Entretanto, com a mudança de nossa sociedade, várias formas de sexualidade foram deixando de ser consideradas patológicas. A homossexualidade, por exemplo, deixou de ser considerada patologia, e o fetichismo, de graus mais brandos, deixou de ser considerado doença, e passou a fazer parte da sexualidade normal. Exceto algumas formas, como a pedofilia, já que ela envolve relações sexuais com crianças e adolescentes, considerados ainda incapazes para decidir livremente por ter relações com alguém, e a relação, seja forçada ou seja por persuasão, acaba levando a traumas graves.

Mas a perversão ganhou um quadro mais geral. Vamos nos basear na sua característica oscilante en relação a lei paterna. Ela mostra duas atitudes conjuntas, uma aparentemente normal, que consegue viver dentro da sociedade e respeitando seus limites, e outra perversa, que não satisfaz livremente seus desejos. Freud disse uma vez que a perversão é o inverso da neurose. Aquilo que o neurótico apenas fantasia em seu inconsciente, o perverso faz na realidade. Não há controle de impulsos.

O que se tem aí é uma nova concepção de perversão, que está associada a psicopatia. Falta de empatia, impulsividade, comportamento antisociais, superficialidade das relações. O psicopata é uma pessoa que parece, em parte, totalmente integrada à sociedade, mas que, quando algo diz respeito a seus desejos sexuais e agressivos, ele age sem pensar nos efeitos que isso pode causar no outro. 

Foto 6: Parece, mas não é...
O cinema se interessa bastante pela psicopatia. Entretanto, muitos personagens considerados psicopatas não poderiam ser completamente enquadrados nessa estrutura de personalidade. Pode acompanhar, por exemplo, essa lista aqui. e você percebe que o cinema vê o psicopata de outro modo. Geralmente um louco, que aparenta ser comum. Ms sim um criminoso, serial-killer, que arrasta uma série de mortes muito bem arquitetadas.

O que precisamos pensar é que um psicopata pode morar bem ao seu lado. Pode ser seu parente. E até pode ser você mesmo. Mas você pode me dizer: "Eu? Como assim? nunca matei, torturei, nem fiz risoto com o rim de ninguém!" (esse último é referência ao Hannibal, meu psicopata predileto hehehehe).

Foto 7: Está com fome?
Segundo Déborah Pimentel (nesse artigo aqui), pode-se falar de uma "Psicopatia da vida cotidiana". De acordo com ela, em determinadas épocas e lugares, algumas patologias e estruturas de personalidade prevalecem. Na época de Freud, as neuroses, principalmente a histeria, eram muito comuns. A depressão já foi e ainda é uma das mais terríveis patologias de nossa época. Entretanto, para ela, uma outra patologia se tornou comum... justamente a psicopatia.

Atualmente, as crianças são impedidas de desejar. O que se quer dizer com isso? Que elas não tem o que querem? Que as crianças são proibidas, controladas, que seus pais nada fazem por elas, a ponto de que elas não tem condições de desejar algo diferente? Na verdade, apesar de que em muitos lugares as crianças vivam em condições tão miseráveis ou com tamanha violência que pouco sobra para elas em termos de desejo, o que ocorre hoje, na maioria das famílias com as quais temos contato, é o oposto: as crianças não desejam, pois os pais não lhes dão tempo para isso. Para haver desejo, é preciso um espaço, no qual a criança sinta que algo lhe falte, e assim busque alguma coisa ou atividade que possa suprir essa falta. Mas o que os pais fazem? Não deixam a criança sentir falta. Assim que pede, que chora, que aponte o dedo para o que quer, ela o tem. 

Foto 8.
Vive-se em uma sociedade com jovens que cada vez mais tem menos capacidade de lidar com as frustrações da vida, pois não houve tempo de aprender a lidar com elas quando crianças. Uma criança que aprende que ão tem tudo o que quer quando e como quer, com o tempo percebe que na vida tem que se negociar, que aceitar condições, e muitas vezes adiar ou deixar de lado alguns desejos. Isso se torna cada vez mais difícil. 

A autora fala que estamos cada vez mais narcisistas, menos empáticos. Não há remorsos, só se busca a satisfação individual. Há uma dessensibilização da desgraça, do crime, da violência, da morte - tudo passa a ser cotidiano. E a virtualização das relações, através da internet e principalmente das redes sociais, criaram novas formas de violência e de distanciamento do outro. E há plena consciência dessa violência, assistida ou mesmo perpetrada, o que caracteriza ainda mais o ato como perverso. Há, portanto, uma epidemia de psicopatia, ou seja, nossa sociedade está cada vez mais perversa, desde sua estrutura político-econômica até as relações sociais mais íntimas. Por isso, cuidado: o perverso pode ser você!

Foto 9.
Bom agora que todos estamos olhando-se no espelho, nas janelas, no Facebook, buscando ver se é ou quem é um "psicopata cotidiano", podemos voltar a que nos interessa (primeiro a gente joga a bomba e depois muda de assunto hehehehe). Esse post é introdutório, para que eu possa falar, nas próximas postagens, sobre meus perversos favoritos. Ou seja, vamos levantar filmes e personagens que marcaram o cinema e principalmente minha vida de cinéfilo, e que possuem essa características peculiar da Psicopatia.

Para encerrar, que tal as fotos espalhadas pelos posts. Elas representam alguns dos psicopatas mais famosos do cinema. Você consegue identificar o filme/série de cada foto? Poste um comentário com sua resposta! E não se esqueça de dizer o número da foto!

Abraço a todos!

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