Boas vindas à todos!

Esta é a iniciativa de três professores de Psicologia (e cinéfilos), que passavam horas no whatsapp comentando inúmeros filmes, indicando novas (ou velhas) obras cinematográficas. Buscamos com este blog compartilhar com todos os interessados nossas indicações e opiniões, claro que bastante recheadas de visões psicológicas!


Caso se interesse pelo filme que indicamos, recomendamos que você assista o filme e retorne ao nosso texto, se possível comentando, concordando ou não com nossas opiniões, e claro dando as suas próprias!


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quinta-feira, 2 de julho de 2015

Malena, ou o aprendizado do amor


Malèna é um filme italiano dirigido por Giuseppe Tornatore, que narra o encontro avassalador de Renato, um garoto de 13 anos, com Malèna, esposa de um combatente italiano na Segunda Guerra mundial. O filme toma como linha de narração o encontro e a paixão que Renato nutre por ela, e como essa relação (imaginária) o modifica em uma das épocas mais conturbadas da vida de uma pessoa, a adolescência.

O filme pode ser discutido por algumas vertentes, todas muito interessantes: a dinâmica social extremamente autoritária da cidade, que manteve Malèna entre a segregação social e o centro atrator das atenções; a questão da guerra, e de como ela atravessa o cotidiano das pessoas. Entretanto, preferi tomar aqui um outro caminho, que é compreender a passagem de Renato para a vida adulta, o que foi efetuado através de sua paixão por ela.

É interessante ressaltar aqui como a sociedade italiana da época demarcava claramente a diferença entre um menino e um homem: as calças curtas. Enquanto usa bermudas, Renato é tratado como um garoto, e não tem nenhuma voz social, nem no seu grupo de amigos. Ele anseia por conseguir calças compridas, e chega a roubar um par de seu pai, que guardava para seu enterro, para que o alfaiate pudesse ajustar para ele. 

Entretanto, apesar das bermudas marcarem socialmente esse estado infantil, pode-se perceber que Renato, psicologicamente, mantém formas afetivas infantis, o que é muito comum nessa idade. O que hoje chamamos de pré-adolescente nada mais é do que uma criança que começa a sentir a emergência de um amadurecimento biológico (no filme, quando Renato vê Malèna pela primeira vez percebe uma ereção, ou que ressalta a consciência que ele adquire de seu despertar pubertário). Entretanto, ele ainda carrega as formas de amor pautadas na primeira infância.

Segundo Freud, nas primeiras fases do desenvolvimento infantil de um menino, principalmente no momento do Complexo de Édipo, pode-se perceber nele um sentimento de amor onipotente pela mãe. A criança coloca-se na possibilidade, imaginária, de ter uma relação de igual para igual com sua mãe, antecipando-se assim as formas adultas de relação afetiva.

Entretanto, na criança, esse amor é onipotente, recheado de fantasias, centrado em uma idealização da relação e do prazer que se pode obter com ela. A relação de Renato com Malèna é pautada nessa forma de amor infantil. Ele se imagina com ela, tendo como base de suas fantasias inúmeras cenas de filmes em preto-e-branco. 

Uma cena bem interessante sobre suas fantasias onipotentes possui ainda um toque cômico. Enquanto se masturba na cama, vendo-se em diversas cenas de filmes clássicos como par romântico de Malèna, se vê uma cena de filme de faroeste, no qual ele é o pistoleiro que beija Malèna, a donzela em perigo, pouco depois de resgatá-la e durante um tiroteio, ouve ela lhe dizer: "Renato, você tem a maior pistola do oeste!". Está claro aí a referência fálica, narcísica, acerca da potência sexual e do poder que possui para conquistar Malèna.

Por outro lado, na realidade, ele a persegue, espreita pelos cantos a observá-la, rouba-lhe uma calcinha, mas nunca fala diretamente com ela. Essa é a dualidade do amor infantil, pleno na fantasia, e frustrado na realidade. A criança, durante a fase do complexo de Édipo, termina por se dar conta, inconscientemente, da impossibilidade de realizar seu amor por sua mãe, pela dificuldade de enfrentar o pai, já que este é mais forte, sem falar que também o ama. A criança termina por subjulgar esse amor, recalcado no inconsciente, e que se torna um protótipo de novas formas de relação.

A Adolescência, mais do que uma maturidade biológica, é o período no qual vários dilemas infantis retornam. Ao ver-se capaz de ter uma relação sexual, o adolescente sente inconscientemente que seria capaz de concretizar suas fantasias infantis, e estas ganham força e buscam a consciência. Malèna é quem trás Renato novamente para os dilemas do amor, e é através dessa relação que ele aprende a forma adulta de amor.

Diferente do amor infantil, intenso, absoluto, imaginário, o amor adulto tende a levar em consideração as limitações da realidade, é mais pautado na doação, na ternura. Quando o marido de Malèna, que havia sido dado como morto mas que estava preso durante a guerra, retorna à cidade, ele não encontra sua esposa, que havia sido expulsa pelos cidadãos, devido as relações, mais presumidas que reais, dela com homens casados. Renato, ao ver que ninguém fala a ele sobre o triste destino de Malèna, abre mão pela primeira vez de seu ciúme e da relação possessiva que tinha com ela (que sempre se dava de fora culta, quando ele realizava pequenas punições aos que falavam mal dela), e lhe envia uma carta, dizendo onde ela estava.

O que se percebe é um crescimento afetivo de Renato. Ele aceita o fato de que não há possibilidade de relação real com Malèna, e desenvolve por ela uma nova forma de amar, mais pautada na doação de si do que na possessão do outro. Isso a ponto de se preocupar mais com o bem-estar de Malèna, que acaba encontrando seu marido e voltando a viver com ele.

Espero que o texto tenha esclarecido um pouco sobre o que quis dizer sobre "o aprendizado do amor". A maioria das músicas românticas, como os sertanejos universitários, por exemplo, exaltam formas de amor que são idealizadas, na qual um vive para o outro, de forma pura, plena, como se "fossem um só". 

Sinceramente, eu acho que, se há um só, não há amor, não há relação, há uma fusão. O que o filme mostra é que essa alternativa idealizada e onipotente de amor, na verdade, tem raízes pronfundas nas primeiras conexões afetivas de cada um. Para se aprender a amar, é preciso, primeiro, aceitar a frustração que é perceber que o outro é e sempre será um outro, com seus gostos, com suas qualidades e com seus defeitos. Toda relação está marcada pela impossibilidade dessa fusão, desse "nós somos um só", e é isso que garante que haja uma relação, uma troca, uma verdadeira doação. Quando doamos, nunca doamos tudo: damos nosso amor, mas também amamos outras pessoas e coisas. E o outro também. Assim, o que pude perceber com Renato é que o Amor se faz belo e tão importante na vida das pessoas porque ele é recheado de uma parcela de dor, de sofrimento, que é o que nos mantém "dois", nos mantém unidos e separados, ao mesmo tempo.











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