Um dos indicados ao Oscar 2015 é "O Jogo de imitação", filme de Morten Tyldum que relata o papel representado na Segunda Guerra Mundial por Alan Turing (representado por Benedict Cumberbatch), que pode ser considerado o pai do computador moderno. Turing é um gênio hoje um pouco esquecido, mas cujos feitos mudaram a cara de nosso século. No filme, Turing participa de um grupo de descriptócrafos, que tentavam quebrar o Enigma, código de criptografia (mensagens que só podem ser lidas por aqueles que possuem uma senha que permite decodificar o texto) utilizado na guerra pela Alemanha nazista, para coordenar todos os ataques aos Aliados (Inglaterra, França, União Soviética, entre outros). Esse código era considerado inquebrável, mas Turing teve a ideia de construir uma máquina que era capaz de superar a criptografia alemã.
O filme mostra Turing como um gênio com extrema dificuldade de lidar com os outros, com dificuldade de entender ironias e sarcasmo (alguém lembrou aí de Sheldon Cooper?). Entretanto, havia um detalhe que poderia colocar o trabalho de Turing em risco: ele era homossexual. Claro que hoje ainda há homofobia, mas na Inglaterra, práticas homossexuais consistiam em crime de indecência, punível pela lei. Tanto que, com 41 anos, suicidou-se, muito provavelmente devido ao sofrimento causado pela sua condenação, quatro anos antes. Para não ser preso, Turing submeteu-se à castração química: dosagem de grandes doses hormonais que reduzem o desejo sexual (cabe ressaltar que hoje em dia, em alguns países, a castração química ainda é utilizada para tratamento de pedófilos). É um tratamento que causa uma série de efeitos colaterais, e que atrapalhava o trabalho de Turing.
Entretanto, o que gostaria de abordar sobre o filme é uma interessante associação feita pelo diretor, e que, pelo que li, por biógrafos, entre a obra de Turing e sua relação com Christopher Morcom durante a escola (mais ou menos o que hoje em dia é o ensino médio). Mas antes, precisamos compreender um pouco sobre o conceito de sublimação de Freud.
Para Freud, os pensamentos inconscientes (principalmente os desejos e fantasias originados na infância), podem se manifestar na consciência através de processos defensivos que criam formas substitutas, simbólicas. Em caso de patologias, como nas neuroses, o recalque é a defesa que atua na manutenção desse conteúdo no inconsciente, que acabam passando pelos chamados "processos primários", que criam as formações sintomáticas. O caso de Anna O., por exemplo, cujo sintoma de hidrofobia (ela não conseguia beber água) era um símbolo da lembrança (tornada inconsciente) de ter visto o cachorro beber em uma xícara da família. Por outro lado, há formas saudáveis de transformação do conteúdo inconsciente. Uma delas é a sublimação. Nesse caso, a meta sexual do desejo é eliminada, e a energia da lembrança ou fantasia é empregada em uma ação que a representa simbolicamente. O desejo infantil de brincar com as fezes (e que é muito reprimido na fase que a criança aprende a usar o penico), pode ser a base na qual um escultor desenvolve simbolicamente sua arte. Assim, em vezes de mexer com fezes, ele transfere seus impulsos ao barro.
Alan Turing em 1951. |
Mas o que isso tem a ver com Turing? Durante o filme, o diretor mescla cenas da amizade entre ele e Christopher. Foi esse quem apresentou a Turing um livro de criptografia, e ambos passaram a trocar mensagens que só eles poderiam decodificar. Entretanto, durante às férias, Christopher morre por consequência de tuberculose bovina. No filme, se tem a impressão de que o amigo havia ocultado de Turing a doença, mas há sites que desmentem o fato, colocando que ele havia sido avisado pela escola de que logo ele poderia perder seu amigo. De uma forma ou outra, podemos dizer que a morte de seu primeiro amor (Turing iria revelar seu sentimento ao amigo antes das férias, mas ele já havia ido embora) foi traumático para ele.
O interessante é perceber que, anos depois, Christopher seria o nome da máquina de Turing, aquela que decifrou o Enigma. é como se, na tentativa de manter vivo seu amor, ele tentasse recriá-lo, criando uma inteligência artificial que tinha o mesmo interesse que os amigos tinham em comum: enigmas. Assim, é como se todo o sentimento amoroso fosse elaborado na atividade científica de Turing, na tentativa, simbólica, de ressuscitar mecanicamente o amor de sua vida.
Turing (à esquerda) e Christopher (à direita) |
Mas será isso saudável? Não poderíamos dizer que o melhor seria elaborar o luto, e assim poder abrir-se a novas relações, a novos amores? Claro que sim. Entretanto, a linha entre o normal e o patológico é tão frágil, principalmente quando se fala em grandes gênios. Há relatos de muitas mentes brilhantes com grandes sintomas e patologias, comportamentos inadaptados socialmente. Mas é no meio de tanta confusão emocional que nascem suas grandes ideias, e que mudam o mundo. Assim, na minha opinião, a sintomas que podem até destruir a vida pessoal, mas que criam uma vida coletiva, que se abrem a um novo mundo. Porque então não reconhecer que esse luto patológico, como o que viveu Turing, algo de positivo, que extrapola os limites da vida individual, suas dores e angústias, para tornar-se algo maior?
Por isso falo em Sublimação do amor. Creio que a visão do diretor é ver a estreita relação entre amor e razão, de mostrar que é no interior das loucuras afetivas de nosso coração que podem surgir as maiores ideias do pensamento humano.
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