Boas vindas à todos!

Esta é a iniciativa de três professores de Psicologia (e cinéfilos), que passavam horas no whatsapp comentando inúmeros filmes, indicando novas (ou velhas) obras cinematográficas. Buscamos com este blog compartilhar com todos os interessados nossas indicações e opiniões, claro que bastante recheadas de visões psicológicas!


Caso se interesse pelo filme que indicamos, recomendamos que você assista o filme e retorne ao nosso texto, se possível comentando, concordando ou não com nossas opiniões, e claro dando as suas próprias!


Você é bem-vindo a participar com a gente!

quinta-feira, 19 de março de 2015

O Sorriso de Monalisa

            

              Trata-se de um sensível e profundo filme que a partir dos discursos de gêneros (O que se espera de um corpo biologicamente feminino? O que se espera de uma vida nomeada como masculina) dispara reflexões sobre felicidade, amor, vida em sociedade, amizade, gosto pelo saber, paradigmas e algumas formas que o sistema disponibiliza para dar sentido à existência.
            No estado de Massachusetts no ano de 1953 a professora Katherine Watson chega para ministrar aulas de História da Arte na tradicional Wellesley College. Proveniente da ensolarada e progressista Califórnia, Katherine tem entusiasmo pelo saber, imagina que atuar em uma escola elitista, destinada apenas para mulheres, é uma forma de potencializar a emancipação feminina rumo a locais de liderança e transformação do mundo.
            Para a aplicada estudante Betty Warren a professora Watson “tinha em inteligência o que lhe faltava em pedigree”.
            Logo em sua primeira aula as bem vestidas e cultas alunas a surpreendem respondendo todo conteúdo do plano de ensino, evidenciando que conhecimento técnico não é um problema por ali.
            A surpresa maior está quando Katherine percebe que o discurso que subjetiva a maioria das mulheres daquela instituição não é diferente do que está lá fora: fazer um bom casamento e ser financeiramente dependente de um homem, estando os estudos em segundo plano, um pano de fundo para uma ‘boa e culta esposa’.



            A professora inicia uma jornada rumo a desconstrução daqueles engessantes paradigmas, que em suas palavras eram ‘uma nova forma de espartilho’ que pouco avançavam no quesito de colocar as mulheres em um lugar de emancipação.
            O filme também deixa implícito que a ideia de patriarcado, importante conceito que serviu para demonstrar os privilégios sociais/culturais/econômicos que os homens contavam e contam em relação às mulheres, precisa ser revista. Afinal, no campo afetivo que produz a significação de vida os homens estariam tão oprimidos quanto as mulheres, quando também são obrigados a performatizar rígidos papéis identitários.
            Esta ideia é exemplificada pelo professor de italiano Bill Dunbar, homem sedutor e inteligente que conta com a aparente liberdade masculina para dormir com quem quiser e desfrutar de sua solteirice depois dos 30, inclusive com suas alunas.         Porém, a miséria emocional com que homens são construídos no formato tradicional fica evidente quando de um bem sucedido herói de combate Dunbar é desmascarado como mero figurante da segunda guerra, sem nunca ter estado em campo de batalha. Afinal, porque ele precisava viver essa e outras mentiras como parte de seu ser? Quais expectativas são também depositadas neste tipo de subjetivação masculina?
            É desta percepção vazia que descobrimos como o discurso tradicional de masculinidade como sinônimo de força, liberdade, liderança, racionalidade e sexualidade compulsória pode alienar o homem do contato mais profundo com sua própria subjetividade, roubando a maioria de suas experimentações como ser humano. Os privilégios dados aos homens, quando olhados desta perspectiva, também restringem sua existência.
            Parece muito massacrante sustentar o pesado papel de “macho provedor” produzido à partir de uma renuncia de sua sensibilidade, na imposição de uma hipersexualidade, como se sua frieza e falta de tato fossem uma justificativa natural da diferença orgânica entre os sexos que organiza a sociedade, não sem um alto custo emocional para todas as expressões de gênero.
            Dunbar não é menos solitário do que a personagem Giselle Levy, a “subversiva aluna judia” que tinha em encontros sexuais corriqueiros e constantes não um possível estilo de vida potente mas sim uma forma de aliviar o vazio que se constituirá em sua vida, grande parte porque não encontrava significado nos paradigmas dominantes de amor, realização sexual e instituição do casamento (um dos tripés ideológicos do ocidente nos últimos 200 anos). Ambos pagavam preços diferentes, porém com fundos emocionais bem parecidos no vazio. Se tal arranjo de banalização sexual declarada é uma exceção às mulheres parece ser uma imposição aos homens.

            Dentre tantos outros disparadores o filme ganha muitos pontos ao não oferecer uma visão fechada do que seria amor e felicidade, a crítica aqui não é para o casamento, mas sim para a forma como o mesmo é oferecido e imposto como único e universal caminho. A própria Katherine se vê em um posicionamento inesperado ao reconsiderar sua vida unicamente boêmia enquanto suas alunas vão no movimento oposto.
            O sorriso de Monalisa nos mostra que o casamento é uma boa possibilidade, porém nem de longe é a única.

            Se ao olhar o quadro de Da Vinci não sabemos ao certo que segredos o sorriso esconde nem muito bem com o que ele se parece a narrativa vem nos chamar a atenção para um fato: o de que “ser” é muito mais importante do que “parecer”, nada mais atual para uma cultura que estimula a imagem e a ilusão do sucesso, produzindo aparente felicidade mas vazios e tristezas constitutivamente profundos. 

2 comentários:

  1. Filme que se torna intrigante pela somatória de questões implícitas e explícitas, tendo o paradigma e a subjetividade como questões disponibilizadas para uma bela análise da sociedade, valores, cultura, entre outros tantos, não só presente na década de 50 nos EUA, mas vivos também na atualidade. Conheci o filme na aula de Humanidades,....ótimo, recomendo!!!!

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  2. Ótima resenha! Gostei muito dos pontos citados e através deles consegui ter uma visão melhor das subjetividades do filme. Muito obrigado.

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