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terça-feira, 26 de julho de 2016

Desenvolvimento sexual e caráter: Voldemort

Olá a todos! Estou postando aqui para vocês o ótimo trabalho realizados pelos alunos do 3ºA (2016) da turma de Psicologia do Centro Universitário UNIFAFIBE. Eles analisaram, com base na teoria da sexualidade de Freud, o caráter do personagem Voldemort, da série de filmes Herry Potter.

Alunos: Bruno Balbi; Dara Rodrigues; Izabel Belloti; Karoline Scarlet; Pâmela D`arc Genovez; Talita Nogueira.




"As consequências dos nossos atos são sempre tão complexas, tão diversas, que predizer o futuro é uma tarefa realmente difícil." (J.K. Rowling em Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban).



1.            Introdução

O presente estudo visa analisar o desenvolvimento psicossexual de um personagem fictício, baseando-se na teoria de Sigmund Freud, e assim levantar hipóteses sobre a formação da sua personalidade de acordo com as fases libidinais: fase oral, anal e fálica, e identificar em qual delas possivelmente o personagem fixou as suas energias sexuais.
A figura escolhida para análise é Voldemort, que faz parte da saga “Harry Potter escrita” por Joanne Rowling. Sob o pseudônimo de J.K. Rowling, ela produziu sete livros desde 1998 á 2007, sendo os filmes lançados entre 2001 e 2011. A história se passa em um universo de magia e o personagem é o vilão da série, sendo interpretado pelos seguintes atores: no primeiro filme Richard Bremmer lhe deu a vida; no segundo em sua fase jovem foi interpretado por Christian Coulson; no sexto filme sua infância foi representada por Hero Fiennnes Tiffin e sua adolescência por Frank Dillane; por fim, em sua fase adulta, a partir do quarto filme, o ator Ralph Fiennes viveu o personagem até o final da série. Nossa análise terá foco em sua fase adulta.

2.            Objetivos

    Analisar o personagem de acordo com a teoria do desenvolvimento psicossexual de Sigmund Freud;
   Identificar em qual das fases ele fixa a sua energia libidinal;
     Fazer uma comparação da teoria apresentada com o personagem descrito.

3. Teoria do desenvolvimento libidinal e a formação de caráter

A teoria do desenvolvimento libidinal de Freud relaciona a fixação de energias libidinais à formação de alguns aspectos característicos da personalidade de cada indivíduo desde o nascimento. Consequentemente, o desenvolvimento psicossocial está relacionado a questões sexuais que podem estar reprimidas e que precisam ser desenvolvidas para a construção do caráter através da sublimação ou da formação reativa. A sublimação, mecanismo predominante na formação do caráter, direciona o impulso sexual para atividades social ou culturalmente aceitas, já a formação reativa tem uma organização patológica do desenvolvimento.
Para Freud, a sexualidade não está direcionada somente a prazeres decorrentes do órgão genital, mas sim de várias atividades e excitações que estão presentes na infância do ser humano, no início apoiada sobre as necessidades fisiológicas. Dependendo do sucesso ou frustração de tais necessidades, pode-se causar grande impacto na vida desse indivíduo.
Em suma, a teoria do desenvolvimento sexual foi dividida em cinco fases: fase oral, que se inicia aproximadamente de um a dois anos de idade; fase anal, de dois a três anos de idade e fase fálica, que se inicia por volta dos cinco anos de idade. Após essas fases, tem-se um período de latência, correspondendo a época de escolarização da criança, com a emergência, junto com a puberdade, da fase genital. Essas fases correspondem a cada parte do corpo humano e influenciam no comportamento do indivíduo em dada situação, estão ligados a afetividade e objetos de prazer, diferenciando-se por suas características e pela forma como cada uma busca seu desejo. Na fase oral há uma grande estimulação sexual direcionada aos lábios, a língua e regiões circunvizinhas, é o primeiro estágio do desenvolvimento psicossexual. Nesta fase, a fonte de prazer é a amamentação e o seio materno é o objeto de afeto; subsequentemente, com o crescimento dos dentes, o bebê começa a morde o seio da mãe e o afeto voltado para o mesmo torna-se ambivalente, o bebê deseja incorporar e destruir esse objeto ao mesmo tempo. Dessa maneira temos a seguinte divisão dentro dessa fase: a oral precoce auto-erótica e a oral canibálica.
Na fase anal a criança aprende a controlar seus esfíncteres, ou seja, aprende a reter suas fezes e urina, sua excitação está voltada para a região anal, embora a criança ainda não tenha deixado totalmente de lado seu prazer oral. Esta aprendizagem resulta num sentimento de poder para a criança, pois a mesma aprende que pode obter controle sobre seu corpo e, pelo fato da criança estar desenvolvendo uma habilidade, ela recebe uma atenção maior da parte dos pais.
Já na fase fálica, a criança consegue compreender as diferenças sexuais e o objeto de prazer é atribuído aos órgãos genitais pênis ou clitóris, destacando também que nessa fase inicia-se a masturbação, ou seja, a criança satisfaz seu prazer com as mãos fazendo carícias em sua região genital.

4. O caráter oral

Considera-se que a fase oral é o estágio primordial da teoria do desenvolvimento psicossexual de Freud e nosso personagem possui indícios de fixação nessa fase. Segundo a tese de Reis, Magalhães e Gonçalves (1984, p. 27), este primeiro período é frisado pelo prazer de caráter oral, pois, é através da boca que o bebê receberá sensações prazerosas que vem do seio materno e esse último configura-se como o objeto que lhe trará bem-estar. Os autores também afirmam que esse paradigma constitui uma relação incorporativa, na qual acontece a internalização do objeto estimado por meio da sucção, marcando o primeiro estágio da fase oral. No segundo estágio, devido o aparecimento dos dentes, há o desejo de devoração e destruição, sendo esse período denominado oral-sádico-canibal (Ibid., p. 28).
Para a formação do caráter oral é necessário haver uma alteração dos impulsos orais em uma conduta peculiar do sujeito, levando em conta que há uma confusão entre a oralidade e a genitalidade, sendo importante destacar alguns traços significativos da oralidade (Ibid., p. 28).
Uma característica importante do caráter da primeira parte da fase oral é a crença que o sujeito tem de que sempre terá o que é essencial para o seu sustento, assim ele lida com otimismo perante os desafios do mundo, contando com um cuidador que promoverá as suas necessidades; essa espera é travestida pela idéia de um representante do seio materno que o amamentou na infância. Porém, se houver um trauma nesse período, isso poderá acarretar numa frustração na qual ele desenvolverá um sentimento de insatisfação, impaciência ao falar e uma intensidade em seus impulsos orais (Ibid., p. 29).
Na segunda parte, denominada caráter oral-canibálico, com o aparecimento dos dentes surge também o prazer de morder, marcando uma ambivalência em relação ao objeto sexual, há o prazer na incorporação e ao mesmo tempo o desejo de destruir por meio da mordida. O sadismo oral resulta em um comportamento agressivo na comunicação, coexistindo tendências afetuosas e ofensivas dirigidas ao objeto de satisfação ou de amor. O sujeito, possivelmente, terá bem acentuado em seu caráter os sentimentos de inveja e ciúme, impedindo que ele expresse generosidade e gratidão ao objeto amado, “Socialmente, o caráter canibálico apresenta-se como agressivo, mal-humorado e inacessível” (Ibid., p. 30).
Nosso personagem, Lorde Voldemort, apresenta indícios de fixação predominante na fase oral, sua personalidade é marcada por agressividade, destruição e um tom imperativo em sua fala, denotando que seu caráter desenvolveu-se de forma reativa.

5. Resumo

A série Harry Potter, composta por sete livros e oito filmes, se passa em um mundo paralelo dividido entre bruxos e trouxas (nome dado para humanos que não possuem poderes mágicos). 
O primeiro volume, Harry Potter e a Pedra Filosofal, nos apresenta “o menino que sobreviveu”, órfão criado desde bebê por seus nada amáveis tios trouxas, que descobre que, além de ser um bruxo, é extremamente famoso no mundo mágico por ter sobrevivido a um ataque de Lord Voldemort, o bruxo mais temido de todos os tempos, cujo nome nem deveria ser citado. No mundo da magia Harry descobre que Voldemort matou seus pais com a intenção de aniquilá-lo, pois, acreditava em uma profecia, que segundo o vilão, elegia o garoto como o único capaz de destruí-lo. Entretanto, ao tentar matar o menino, a mãe colocou-se à frente do feitiço mortal e o salvou de maneira inacreditável, deixando Voldemort reduzido a sombras, ele então recua e ninguém tem notícias suas por muitos anos, até que em O Cálice de Fogo ressurge com a ajuda de um antigo servo que dá a ele um novo corpo através de magia negra. Antes desse acontecimento, durante A Câmara Secreta e O Prisioneiro de Azkaban, os oponentes já haviam tido contado, mas de maneira indireta.
Em A Ordem da Fênix Voldemort e seu exército de Comensais da Morte derrubam o Ministério da Magia e espalham terror no mundo bruxo e no trouxa. Harry percebe que a ligação entre eles está ficando mais forte, dando acesso aos planos do vilão, mas essa ligação é uma via dupla e o garoto começa a receber aulas de seu professor de poções, Snape, para tentar aprender a controlar sua própria mente. Nas sequências O Enigma do Príncipe e As Relíquias da Morte Harry Potter descobre que o Lord das Trevas, para alcançar a imortalidade, dividiu a própria alma e depositou os fragmentos em seis objetos; seguindo as orientações do poderoso diretor da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, Alvo Dumbledore, Harry e seus fiéis amigos Rony Wesley e Hermione Granger percorrem uma longa jornada para destruir os objetos e enfrentar definitivamente Voldemort.
Nesse excitante contexto, a trama vai se desenvolvendo em um embate entre Harry Potter e Lord Voldemort, o vilão frio e calculista tenta de todas as maneiras matar o protagonista da série e construir seu reinado no mundo bruxo.

6.Discussão

Antes da análise do personagem Voldemort, deve-se esclarecer que serão levantadas hipóteses dos prováveis acontecimentos, pois, além de não ter todos os recursos necessários para alcançar uma verdade absoluta, a psicanálise não é determinista, sendo assim, um acontecimento pode culminar em diferentes reações dependendo do indivíduo.
O sujeito escolhido para a análise teve uma fixação predominante na fase oral, possivelmente por ter sido criado desde bebê em um orfanato, no livro Harry Potter e o Enigma do Príncipe (ROWLING, 2005, p.148) há a seguinte passagem em que o diretor da escola de magia pergunta para a secretária do orfanato como foi a chegada do menino e ela conta: “Lembro muito claramente [...] Nós a acolhemos e ela teve o bebê em menos de uma hora. E na hora seguinte morreu.”, sendo assim, podemos considerar que o personagem passou pelo período oral de forma muito precária, sem amor e afeto que uma mãe daria nessa fase.



Segundo os autores Reis, Magalhães e Gonçalves (1984, p. 28), a primeira etapa do desenvolvimento psicossocial está relacionada às excitações da cavidade oral, da língua, dos lábios, que se satisfaz através do seio materno. Se nesse período a criança não tiver uma satisfação necessária, isso pode gerar alguns problemas quando adulto, o que pode ser percebido em Voldemort.
 Como é evidenciado em toda a série, o vilão analisado não busca e, consequentemente, não possui relações afetivas profundas, tanto amizade como relação amorosa, pode-se então especular que ele não procura essa afetividade por causa da falta de amor no período inicial de sua vida, e assim, quando mais velho, repele qualquer oportunidade de ter uma ligação mais próxima com alguém. Ironicamente, o objeto que ele mais projeta seus afetos, não é um ser humano, é uma cobra (Nagini).
Outro ponto que vale ser ressaltado é a facilidade na oratória e persuasão, fato que pode ser visto no trecho do livro Harry Potter e o Cálice de Fogo (ROWLING, 2001, p.361) quando Voldemort extrai informações privilegiadas do mundo bruxo através de uma bruxa raptada: “[...] Berta Jorkins, que poderia ter posto tudo a perder, em vez disso provou ser uma dádiva que superou as minhas expectativas mais extravagantes... pois, com um nadinha de persuasão, tornou-se uma verdadeira mina de informações”.



Essa facilidade com as palavras também lhe rendeu vários seguidores, denominados Comensais da Morte; além disso, ele é muito inteligente, observador e está sempre em busca de ampliar seus conhecimentos em artes das trevas. Essas características são bastante comuns em quem tem uma fixação na fase oral, por intermédio da boca o sujeito satisfaz as suas necessidades orais que podem ser desde comer excessivamente, virar um alcoólatra, um viciado em fumo ou até mesmo na fala excessiva, como no caso de Lorde Voldemort. Através de seus longos discursos e ótima lábia ele sacia esses impulsos psicossexuais. (REIS, MAGALHÃES e GONÇALVES, 1984).
Além dos fatos já citados, foi possível notar que o personagem utiliza um vocabulário agressivo e muitas vezes imperativo ao longo da história, em Harry Potter e o Enigma do Príncipe (ROWLING, 2005, p.150),  Dumbledore, o diretor da escola, vai ao orfanato conversar com o garoto, que até então era apenas Tom Riddle, e avisar-lhe que possuía uma vaga  na escola de magia e bruxaria de Hogwarts, Tom desconfia e o questiona: "Não acredito no senhor. Ela quer que me examine, não é? Fale a verdade!", ato um pouco incomum para uma criança de 11 anos dirigindo-se a um senhor que acabara de conhecer.
Na idade adulta sua agressividade se expande, em Harry Potter e o Cálice de Fogo (ROWLING, 2001, p.357), ele recupera seu corpo através do sacrifício do braço de um assecla seu e, em seguida, volta-se para ele e diz: “Mesmo inútil e traiçoeiro como é, você me ajudou... e Lorde Voldemort recompensa quem o ajuda...”; esse tipo de linguajar pode ser explicado por sucção insatisfatória nos momentos de amamentação, fazendo com que ele se expresse de forma imperativa e agressiva perante a maioria dos acontecimentos da sua vida como se fosse uma persistente sucção.
 Mais uma característica na sua personalidade é a de querer obter tudo que é possível para si mesmo, como pode ser visto no último livro da franquia, Harry Potter e as Relíquias da Morte (ROWLING, 2007, p.398), no momento em que “mata” Harry Potter manda uma mensagem para as pessoas que estão contra ele: “A batalha está ganha. (...) vocês se unirão a mim no novo mundo que construiremos juntos”; durante toda a saga ele  persegue a ideia de controlar o mundo inteiro e eliminar aqueles que considera inúteis, isso é feito provavelmente para compensar a falta de gratificação oral nos seus primeiros momentos de vida.
Apesar de Voldemort ter uma fixação predominante na fase oral, sua personalidade também possui traços de outras fases; há comportamentos relacionados à fase anal, como a sua necessidade de controlar todas as pessoas a sua volta. Esse tipo de conduta está relacionado à época da vida em que a criança está aprendendo a controlar seus esfíncteres, retendo e liberando suas fezes, e assim inconscientemente, esse desejo anal permanece ativo e surge como a necessidade de controlar e influenciar as pessoas. (REIS, MAGALHÃES e GONÇALVES, 1984).
Outra fixação que é notada no personagem é na fase fálica, que de acordo com Reis, Magalhães e Gonçalves (1984, p.35) essa fixação ocorre quando o sujeito ainda não atingiu uma posição libidinal objetal e, consequentemente, não saiu da sua relação Narcísica. Esse narcisismo é facilmente identificável em Voldemort, pois ele só tem olhos para ele mesmo, extraindo de tudo e todos o possível para se satisfazer.
Uma das principais aspirações de Voldemort é a imortalidade, esse seu desejo é evidenciado claramente no quarto livro da série Harry Potter e o Cálice de Fogo (ROWLING, 2001, p.359) quando o próprio Lorde das Trevas diz: “[...] eu que cheguei mais longe do que qualquer outro no caminho que leva à imortalidade. Vocês conhecem o meu objetivo, vencer a morte”. Esse desejo está diretamente ligado ao seu narcisismo, pois ele se acha literalmente a pessoa mais importante do mundo e que merece viver para sempre, para obter isso ele usa de magias negras que incluem manipular e assassinar pessoas (ato que prova que ele não liga nem mesmo para a vida dos outros).

Portanto, como já foi dito, essa é uma análise que busca encontrar possíveis causas e explicações das fixações que o personagem demonstra possuir ao longo da saga, desse modo, foram identificadas fixações nas fases oral (principalmente na canibálica), anal e fálica, com uma predominância na primeira citada.

8. Referências

MERLEAU-PONTY, M. Contribuições dos sucessores de Freud. In: ______. Merleau Ponty na Sorbonne: Resumos de cursos – Psicossociologia e filosofia. Campinas, SP: Papirus, 1990. p. 98-105.

REIS, A. A.; MAGALHÃES, L. M. A.; GONÇALVES, W. L. Personalidade e caráter. In: ______. Teorias da Personalidade em Freud, Reich e Jung. São Paulo: EPU, 1984. (Temas básicos em Psicologia, 7), p. 24- 41.

ROWLING, J.K. Harry Potter e a Ordem da Fênix. Editora Rocco: Rio de Janeiro, 2003.

ROWLING, J.K. Harry Potter e as Relíquias da Morte. Editora Rocco: Rio de Janeiro, 2007.

ROWLING, J.K. Harry Potter e o Cálice de Fogo. Editora Rocco: Rio de Janeiro, 2001.

ROWLING, J.K. Harry Potter e o Enigma do Príncipe. Editora Rocco: Rio de Janeiro, 2005.


ZIMERMAN, D. E. As fases do desenvolvimento. In: ______. Fundamentos psicanalíticos. Porto Alegre: Artmed, 1999. p. 92-95.

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