Olá pessoal, meu nome é Felipe, me formei
na Unifafibe no ano de 2015. Sempre acompanhei as postagens deste blog, e
considero muito importante a premissa que o mesmo traz, o fato de ampliar e
treinar nossa visão psicanalítica. Não é exagero quando nossos professores nos
dizem que, quando optamos por uma abordagem, estamos optando por uma forma de
ver o mundo, e esta forma não se limita apenas as pessoas, mas também a todas
as suas produções. Mas, será que nossa escolha conseguirá suprir toda a demanda
que se apresenta a nós? Será que a psicanálise é realmente universal?
Apresentarei a vocês, uma
adaptação do meu trabalho de especialização sobre o Narcisismo Freudiano, observado
a partir de uma obra de animação japonesa chamada: Re:Zero kara Hajimeru
Isekai Seikatsu (Re:Zero Começando a vida em um mundo
diferente).
O anime trata da história de
Natsuki Subaru, um jovem adolescente que foi invocado para um mundo de
fantasia, onde descobre que ganhou o poder de retornar no tempo quando morre,
mantendo suas memórias do ocorrido.
Segundo Freud, o narcisismo
possui um caráter de autopreservação do ego, e podemos observar isso logo
quando Subaru é invocado para outro mundo. Apresentando um movimento libidinal
totalmente voltado a si mesmo, ele acredita ser um personagem de jogo que havia
sido teleportado para se tornar o “protagonista” daquele mundo.
Subaru: Não me invocaram para um mundo paralelo? Onde
é que enfiaram meu papel de protagonista? Nem me deram a Excalibur ou algo do
tipo!
No
narcisismo Freudiano, existem dois momentos distintos de investimento
libidinal, o narcisismo primário, que fora apresentado no trecho acima, onde em
um movimento de auto preservação o indivíduo investe toda sua libido em seu
próprio ego. E um segundo momento, o narcisismo secundário, se tratando de um
movimento de investimento libidinal em objetos do mundo externo.
Observaremos a seguir um
investimento característico do narcisismo secundário, porém neste, Subaru não
realiza um investimento parcial de libido em um objeto externo, mas sim um
investimento total em outro objeto, como se ele houvesse aberto mão de seu
próprio narcisismo, isto por que ele se apaixona por Emília, uma jovem que lhe
salvou em um momento de risco. Em um movimento clássico de obras de romance,
Subaru não conta de seu amor por Emília, porém quando está perto dela, faz de
tudo para ver a jovem bem, e quando ela está em perigo, abre mão de tudo para
salva-la.
Durante
uma reunião com o mais alto poder político e militar do reino, onde Emília
estava sendo contestada, Subaru interrompe a todos e passa a proteger a jovem,
atacando a todos e até mesmo ao grupo de cavaleiros do reino, se auto
proclamando cavaleiro da jovem, contra a vontade da mesma, título este que
apenas é concedido aos melhores guerreiros do reino.
S: Vocês são uns imprestáveis! Desculpem-se com
Emília. Meu nome é Natsuki Subaru, eu sou um dos criados na mansão do Roswaal,
em que sirvo como o cavaleiro da Sta. Emília.
Neste
trecho, Subaru age muito além de suas capacidades, ignorando todos os perigos e
principalmente, todos os problemas que suas atitudes podem acarretar para
Emília, apresentando uma forte onipotência, característica muito presente no
movimento narcísico.
Logo
após esta situação, Subaru é desafiado a um duelo por um dos cavaleiros,
perdendo miseravelmente e ficando muito machucado. Após este momento, acontece
uma conversa entre Subaru e Emília, onde a jovem deixa muito claro que tudo o
que ele estava fazendo era por ele mesmo.
Emilia: Como você acabou duelando com Julius?
Subaru: Eu queria me vingar dele! Eu estava sendo
teimoso. Ele disse que eu era patético, fraco e não era digno de você. Ele
estava tentando me distanciar de você e eu não gostei disso.
Emilia: Quando eu estou com você, você sempre tenta
fazer o impossível.
Subaru: Eu só queria fazer alguma coisa pra você,
então...
Emilia: Para mim? Foi para você mesmo não foi? Pare
de mentir dizendo que tudo o que você faz é por mim! Eu nunca te pedi para
fazer nada disso!
Subaru: Eu tenho. Esse tempo todo. No fim das contas
eu não fiz tudo dar certo? Quando seu brasão foi roubado, eu te salvei de uma
assassina doentia no esconderijo! Eu arrisquei a minha vida! Tudo por que você
é importante para mim! Se não fosse por mim as coisas teriam sido bem piores!
Tudo só deu certo por que eu estava lá! Você tem uma dívida comigo que jamais
seria capaz de pagar!
Existem
dois polos nas relações narcísicas que podem se tornar sintomáticos, o primeiro, onde toda a libido está investida no próprio ego a fim de protegê-lo, e a
segunda, quando acontece o investimento de toda a libido em um objeto externo,
que é na verdade considerado como parte do eu. Podemos observar que, aparentemente, Subaru, em sua relação com Emília, transita sempre entre um polo e
outro, não encontrando um equilíbrio, pois ou ele apresenta um investimento
exacerbado nela, ou em si mesmo. Este movimento fica muito claro no trecho
apresentado, pois inicialmente sua fala é toda sobre seu desejo de ajudar
Emília, e em um segundo momento passa a dizer que tudo deu certo graças a ele.
O aspecto narcísico se encontra principalmente no fato de Subaru não perceber
que não realizou todas as ações pois Emília queria aquilo, mas que as fez, pois
considerava que seria o melhor para ela, e é especificamente neste ponto em que
a diferenciação entre o eu e o outro não se faz presente.
Após
esta discussão, Subaru fica na capital do reino com uma empregada da mansão,
Rem, na qual estava morando junto com Emília. Após alguns dias vazios, onde
tudo o que ele fazia era vagar pela cidade, ignorando o que havia acontecido,
ele descobre que Emília e todo mundo da mansão estava correndo perigo, então
Subaru passa a tentar resolver a situação sozinho, porém falha diversas vezes.
Sem esperanças de conseguir salvar Emília, Subaru decide preservar a si mesmo,
fugindo do reino, tentando levar Rem consigo.
Subaru: Não há nada que eu possa fazer aqui na
capital. Mas também não faria sentido algum se eu voltasse para a mansão. Nós
não podemos ficar aqui. Isso é o que todo mundo vem tentando me dizer. Eu
tentei negar isso com toda a minha força, por que não queria acreditar nisso.
Mas eles estão certos. Ninguém nunca precisou de mim. É por isso que eu resolvi
simplesmente desaparecer. Tudo o que eu fizer resultará na morte de alguém.
Vamos fugir Rem!
Neste
ponto vemos novamente Subaru em um movimento narcisista, similar ao narcisismo
primário, pois podemos entender que nada do que ele falou foi realmente
declarado pela outra pessoa, são todas impressões dele que o mesmo considera
como verdadeiras, além de acreditar que ele ir embora irá resolver tudo, de
certa forma se considerando novamente o centro do mundo, negando assim os fatos
de que tudo acontecerá independente da presença ou não dele.
Rem,
após uma longa conversa com Subaru, diz que não pode fugir com ele, o agradece
por ter salvo tanto ela quanto sua irmã em uma situação de perigo passada, e se
declara a Subaru, dizendo que o ama, independente de seus defeitos e fraquezas.
Rem: Só de saber que você me quer ao seu lado
quando for fugir, me deixa muito feliz do fundo do meu coração. Mas eu não
posso. Por que eu sei que se fugirmos juntos agora, eu estaria abandonando o
Subaru que eu tanto amo.
Segundo
Freud, o objetivo da relação narcísica é ser amado, logo podemos considerar, a
relação entre Subaru e Rem como sendo a relação narcísica mais saudável que
Subaru estabeleceu até aquele momento, pois, após perceber que pode ser amado
sem precisar resolver tudo sozinho, sem utilizar de sua onipotência, Subaru
passa a se relacionar diferente com todos a sua volta, inclusive repensando
suas atuais relações.
Subaru: Eu amo a Emília. Eu quero ver a Emília
sorrindo. Eu quero ser útil para o futuro da Emília. Mesmo que ela diga que eu estou
atrapalhando, mesmo que ela diga para me afastar. Eu quero estar do lado dela.
Usando meus sentimentos por ela como pretexto, para faze-la entender sobre
tudo, foi arrogante da minha parte, não foi? Eu não consigo fazer nada sozinho.
Eu não tenho pontos fortes. Não tenho confiança e nem conseguiria dar um passo
à frente. Eu sou fraco, frágil e insignificante. Então, para garantir que eu
consiga dar um passo à frente, para me ajudar a perceber quando estou errado,
você pode me ajudar?
Até aquele momento, a libido de Subaru se encontrava
investida toda em si, ou toda em um objeto externo, fazendo com que o mesmo se
comportasse ou a partir de sua onipotência, ou sem auto estima, pois tudo que
era bom estava para fora. Esta relação foi fundamentalmente importante para
ele, pois Subaru após investir sua libido em Rem, diminuindo sua autoestima e
abrindo mão de parte de seu narcisismo, teve pela primeira vez, o retorno que
tanto buscava, o amor do outro.
Tomei o devido cuidado de apresentar a análise do material
em constante comparação com a teoria de Freud sobre o narcisismo, para aqueles
que se interessarem deixarei aqui a referência dos textos que utilizei para
fazer o trabalho, e caso alguém queira o trabalho completo fique à vontade me
enviar um e-mail que encaminho o trabalho.
Referências:
FREUD, Sigmund. Sobre o
narcisismo: uma introdução, 1914. In: ______. A história do movimento
psicanalítico. Rio de Janeiro: Imago, 2006. p. 81-108. (Edição standard
brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 14).
QUINIDOZ,
Jean-Michel. Ler Freud: Um guia de leitura da obra de S. Freud. Porto Alegre:
Artmed, 2007.
Ótimo artigo e blog. Parabéns galera!
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