Boas vindas à todos!

Esta é a iniciativa de três professores de Psicologia (e cinéfilos), que passavam horas no whatsapp comentando inúmeros filmes, indicando novas (ou velhas) obras cinematográficas. Buscamos com este blog compartilhar com todos os interessados nossas indicações e opiniões, claro que bastante recheadas de visões psicológicas!


Caso se interesse pelo filme que indicamos, recomendamos que você assista o filme e retorne ao nosso texto, se possível comentando, concordando ou não com nossas opiniões, e claro dando as suas próprias!


Você é bem-vindo a participar com a gente!

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

As duas faces do narcisismo




         Olá pessoal, meu nome é Felipe, me formei na Unifafibe no ano de 2015. Sempre acompanhei as postagens deste blog, e considero muito importante a premissa que o mesmo traz, o fato de ampliar e treinar nossa visão psicanalítica. Não é exagero quando nossos professores nos dizem que, quando optamos por uma abordagem, estamos optando por uma forma de ver o mundo, e esta forma não se limita apenas as pessoas, mas também a todas as suas produções. Mas, será que nossa escolha conseguirá suprir toda a demanda que se apresenta a nós? Será que a psicanálise é realmente universal?
Apresentarei a vocês, uma adaptação do meu trabalho de especialização sobre o Narcisismo Freudiano, observado a partir de uma obra de animação japonesa chamada: Re:Zero kara Hajimeru Isekai Seikatsu (Re:Zero Começando a vida em um mundo diferente).
O anime trata da história de Natsuki Subaru, um jovem adolescente que foi invocado para um mundo de fantasia, onde descobre que ganhou o poder de retornar no tempo quando morre, mantendo suas memórias do ocorrido.
Segundo Freud, o narcisismo possui um caráter de autopreservação do ego, e podemos observar isso logo quando Subaru é invocado para outro mundo. Apresentando um movimento libidinal totalmente voltado a si mesmo, ele acredita ser um personagem de jogo que havia sido teleportado para se tornar o “protagonista” daquele mundo.

Subaru: Não me invocaram para um mundo paralelo? Onde é que enfiaram meu papel de protagonista? Nem me deram a Excalibur ou algo do tipo!

            No narcisismo Freudiano, existem dois momentos distintos de investimento libidinal, o narcisismo primário, que fora apresentado no trecho acima, onde em um movimento de auto preservação o indivíduo investe toda sua libido em seu próprio ego. E um segundo momento, o narcisismo secundário, se tratando de um movimento de investimento libidinal em objetos do mundo externo.
         Observaremos a seguir um investimento característico do narcisismo secundário, porém neste, Subaru não realiza um investimento parcial de libido em um objeto externo, mas sim um investimento total em outro objeto, como se ele houvesse aberto mão de seu próprio narcisismo, isto por que ele se apaixona por Emília, uma jovem que lhe salvou em um momento de risco. Em um movimento clássico de obras de romance, Subaru não conta de seu amor por Emília, porém quando está perto dela, faz de tudo para ver a jovem bem, e quando ela está em perigo, abre mão de tudo para salva-la.
            Durante uma reunião com o mais alto poder político e militar do reino, onde Emília estava sendo contestada, Subaru interrompe a todos e passa a proteger a jovem, atacando a todos e até mesmo ao grupo de cavaleiros do reino, se auto proclamando cavaleiro da jovem, contra a vontade da mesma, título este que apenas é concedido aos melhores guerreiros do reino.
S: Vocês são uns imprestáveis! Desculpem-se com Emília. Meu nome é Natsuki Subaru, eu sou um dos criados na mansão do Roswaal, em que sirvo como o cavaleiro da Sta. Emília. 
            Neste trecho, Subaru age muito além de suas capacidades, ignorando todos os perigos e principalmente, todos os problemas que suas atitudes podem acarretar para Emília, apresentando uma forte onipotência, característica muito presente no movimento narcísico.
            Logo após esta situação, Subaru é desafiado a um duelo por um dos cavaleiros, perdendo miseravelmente e ficando muito machucado. Após este momento, acontece uma conversa entre Subaru e Emília, onde a jovem deixa muito claro que tudo o que ele estava fazendo era por ele mesmo.

Emilia: Como você acabou duelando com Julius?
Subaru: Eu queria me vingar dele! Eu estava sendo teimoso. Ele disse que eu era patético, fraco e não era digno de você. Ele estava tentando me distanciar de você e eu não gostei disso.
Emilia: Quando eu estou com você, você sempre tenta fazer o impossível.
Subaru: Eu só queria fazer alguma coisa pra você, então...
Emilia: Para mim? Foi para você mesmo não foi? Pare de mentir dizendo que tudo o que você faz é por mim! Eu nunca te pedi para fazer nada disso!
Subaru: Eu tenho. Esse tempo todo. No fim das contas eu não fiz tudo dar certo? Quando seu brasão foi roubado, eu te salvei de uma assassina doentia no esconderijo! Eu arrisquei a minha vida! Tudo por que você é importante para mim! Se não fosse por mim as coisas teriam sido bem piores! Tudo só deu certo por que eu estava lá! Você tem uma dívida comigo que jamais seria capaz de pagar!
           


          Existem dois polos nas relações narcísicas que podem se tornar sintomáticos, o primeiro, onde toda a libido está investida no próprio ego a fim de protegê-lo, e a segunda, quando acontece o investimento de toda a libido em um objeto externo, que é na verdade considerado como parte do eu. Podemos observar que, aparentemente, Subaru, em sua relação com Emília, transita sempre entre um polo e outro, não encontrando um equilíbrio, pois ou ele apresenta um investimento exacerbado nela, ou em si mesmo. Este movimento fica muito claro no trecho apresentado, pois inicialmente sua fala é toda sobre seu desejo de ajudar Emília, e em um segundo momento passa a dizer que tudo deu certo graças a ele. O aspecto narcísico se encontra principalmente no fato de Subaru não perceber que não realizou todas as ações pois Emília queria aquilo, mas que as fez, pois considerava que seria o melhor para ela, e é especificamente neste ponto em que a diferenciação entre o eu e o outro não se faz presente.
            Após esta discussão, Subaru fica na capital do reino com uma empregada da mansão, Rem, na qual estava morando junto com Emília. Após alguns dias vazios, onde tudo o que ele fazia era vagar pela cidade, ignorando o que havia acontecido, ele descobre que Emília e todo mundo da mansão estava correndo perigo, então Subaru passa a tentar resolver a situação sozinho, porém falha diversas vezes. Sem esperanças de conseguir salvar Emília, Subaru decide preservar a si mesmo, fugindo do reino, tentando levar Rem consigo.

Subaru: Não há nada que eu possa fazer aqui na capital. Mas também não faria sentido algum se eu voltasse para a mansão. Nós não podemos ficar aqui. Isso é o que todo mundo vem tentando me dizer. Eu tentei negar isso com toda a minha força, por que não queria acreditar nisso. Mas eles estão certos. Ninguém nunca precisou de mim. É por isso que eu resolvi simplesmente desaparecer. Tudo o que eu fizer resultará na morte de alguém. Vamos fugir Rem!

            Neste ponto vemos novamente Subaru em um movimento narcisista, similar ao narcisismo primário, pois podemos entender que nada do que ele falou foi realmente declarado pela outra pessoa, são todas impressões dele que o mesmo considera como verdadeiras, além de acreditar que ele ir embora irá resolver tudo, de certa forma se considerando novamente o centro do mundo, negando assim os fatos de que tudo acontecerá independente da presença ou não dele.
            Rem, após uma longa conversa com Subaru, diz que não pode fugir com ele, o agradece por ter salvo tanto ela quanto sua irmã em uma situação de perigo passada, e se declara a Subaru, dizendo que o ama, independente de seus defeitos e fraquezas.

Rem: Só de saber que você me quer ao seu lado quando for fugir, me deixa muito feliz do fundo do meu coração. Mas eu não posso. Por que eu sei que se fugirmos juntos agora, eu estaria abandonando o Subaru que eu tanto amo.

            Segundo Freud, o objetivo da relação narcísica é ser amado, logo podemos considerar, a relação entre Subaru e Rem como sendo a relação narcísica mais saudável que Subaru estabeleceu até aquele momento, pois, após perceber que pode ser amado sem precisar resolver tudo sozinho, sem utilizar de sua onipotência, Subaru passa a se relacionar diferente com todos a sua volta, inclusive repensando suas atuais relações.

Subaru: Eu amo a Emília. Eu quero ver a Emília sorrindo. Eu quero ser útil para o futuro da Emília. Mesmo que ela diga que eu estou atrapalhando, mesmo que ela diga para me afastar. Eu quero estar do lado dela. Usando meus sentimentos por ela como pretexto, para faze-la entender sobre tudo, foi arrogante da minha parte, não foi? Eu não consigo fazer nada sozinho. Eu não tenho pontos fortes. Não tenho confiança e nem conseguiria dar um passo à frente. Eu sou fraco, frágil e insignificante. Então, para garantir que eu consiga dar um passo à frente, para me ajudar a perceber quando estou errado, você pode me ajudar?
     
            Até aquele momento, a libido de Subaru se encontrava investida toda em si, ou toda em um objeto externo, fazendo com que o mesmo se comportasse ou a partir de sua onipotência, ou sem auto estima, pois tudo que era bom estava para fora. Esta relação foi fundamentalmente importante para ele, pois Subaru após investir sua libido em Rem, diminuindo sua autoestima e abrindo mão de parte de seu narcisismo, teve pela primeira vez, o retorno que tanto buscava, o amor do outro.
            Tomei o devido cuidado de apresentar a análise do material em constante comparação com a teoria de Freud sobre o narcisismo, para aqueles que se interessarem deixarei aqui a referência dos textos que utilizei para fazer o trabalho, e caso alguém queira o trabalho completo fique à vontade me enviar um e-mail que encaminho o trabalho.

E-mail para contato: felipeegazola@gmail.com

Referências:

FREUD, Sigmund. Sobre o narcisismo: uma introdução, 1914. In: ______. A história do movimento psicanalítico. Rio de Janeiro: Imago, 2006. p. 81-108. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 14).

QUINIDOZ, Jean-Michel. Ler Freud: Um guia de leitura da obra de S. Freud. Porto Alegre: Artmed, 2007.

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